Cristiane Caravana,

Qual a primeira ideia que passa pela cabeça quando se lê uma notícia sobre um setor considerado concentrado com alta de preços? Dentre diversas possibilidades, a depender do ponto de vista do leitor, grande parte pode interpretar superficialmente e deduzir ilicitude na conduta e mesmo associar concentração do mercado com poder de mercado e, consequentemente, existência de cartel, ou mesmo abuso de poder econômico. Enfim, a depender da divulgação e do tratamento dado à informação jornalística, uma gama de interpretações se forma, mas é importante registrar algumas diferenças para melhor compreensão.

Dentre as mais diversas interpretações, destaca-se a perigosa analogia comumente realizada sobre a concentração de um mercado estar ligada à existência de práticas lesivas à ordem econômica. Esse tipo de leitura acaba por estigmatizar setores eficientes, que muitas vezes sofrem com intervenções desmedidas do Poder Público, regulando desmesuradamente sem analisar, de fato, o real cenário, inclusive muitas vezes inviabilizando o bom funcionamento do mercado.

Em breve análise sobre o tema, as concentrações podem existir em vários ramos de atividades, seja nos setores de serviços ou indústria, estando relacionadas ao número de empresas existentes naquela esfera.

Discussões no campo do Direito Econômico levantam diversas questões que desaguam muitas vezes na relação existente entre concentração de mercado e poder de mercado. Não é rara a confusão de que havendo poder de mercado necessariamente se constataria cartel. Relevante pontuar que essa interpretação é equivocada, pois poder de mercado, por si só, não pode ser considerado como infração à ordem econômica.

Importante ponderar que o poder de mercado se demonstra perigoso quando está relacionado com a cobrança de preço acima do praticado em um mercado competitivo. A partir daí pode surgir uma anomalia que se verifica quando as empresas conseguem abrir uma distância entre custo e preço. Esse distanciamento pode abrir oportunidade para manipulações que podem gerar diversos prejuízos, como perda econômica e inibição de crescimento. Adicionalmente, pode ocorrer a captura da renda do consumidor, que acaba sofrendo com a redução do seu poder de compra.

Diante de um cenário de manipulação de preços e havendo um conluio entre empresas que, mesmo sem vínculos entre si, resolvem combinar preços, aí sim verifica-se a formação de um cartel. A conduta anticoncorrencial pode se dar por meio de acordos expressos ou tácitos entre os concorrentes, objetivando condutas instrumentalizadas entre os concorrentes, como divisão de clientes ou de mercados, eliminando a concorrência e, consequentemente, aumentando o preço com restrição de oferta, sem apresentar qualquer contrapartida ao consumidor.

Como o cartel é considerado uma grave infração e muitas vezes de difícil investigação, a simples verificação de preços idênticos muitas vezes remete à existência dessa conduta anticoncorrencial. Como esse entendimento acaba incidindo mais em setores considerados concentrados, com menos empresas concorrentes entre si, esses mercados acabam sendo estigmatizados. Contudo, ressalte-se, o próprio CADE se posiciona no sentido de que a mera constatação de preços idênticos não é, isoladamente, indício suficiente que aponte a existência de um cartel. Assim, a relação direta entre mercado concentrado e cartel é indevida.

A ruptura dessa associação indevida pode ser difícil, mas é necessária, pois acaba influenciando autoridades, que não estão diretamente ligadas ao Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, a penalizar empresas por condutas que inexistem, além de levar à sociedade concepções deturpadas por impropriedades conceituais.

Cumpre frisar que a maioria dos setores considerados concentrados apresentam alto grau de eficiência, sejam logísticas, técnicas e operacionais, não refletindo qualquer ilicitude, pelo contrário. Inclusive, nesse cenário, frequentemente verifica-se que o real nível de competição e rivalidade existente entre os agentes é extremamente alta, mas essa percepção não é de fácil visualização para a sociedade em geral.

Desde modo, duas importantes características devem ser observadas para dirimir eventuais dúvidas sobre condutas anticompetitivas: configuração de eficiência e existência de rivalidade entre os agentes econômicos. Essas características acabam se sobressaindo em setores com menos agentes, pois quando existem menos empresas na atividade, elas acabam tendo que competir vorazmente entre si em busca da satisfação e fidelização dos seus clientes. Daí as grandes estratégias de marketing, com campanhas agressivas e montagem de estratégias para captação do consumidor, demonstrando a importância da rivalidade para um mercado saudável, assim como busca por melhor operacionalização da atividade e investimentos em novas tecnologias e capacitação profissional.

Verifica-se, portanto, que nos mercados considerados concentrados muitas vezes existem diversas eficiências produtivas que acabam reduzindo custos de produção, seja do bem ou do serviço. Assim, dependendo do nível de eficiência, a redução de custos pode até compensar o “poder de mercado” existente.

Em relação ao preço praticado pelos agentes no âmbito do livre mercado, suas flutuações, seja para cima ou para baixo ocorrem, normalmente, como dinâmica do livre mercado, em garantia do seu bom funcionamento, remunerando o agente econômico adequadamente para que ele possa prestar o serviço de maneira segura, eficiente e eficaz ao consumidor. Como dentro de todo preço existem diversos fatores de custo (logísticos, operacionais, tributários, dentre outras parcelas) que sofrem variadas influências suportadas pelo agente econômico, as flutuações podem ou não ocorrer, só sendo percebidas pelo consumidor quando refletidas no preço final.

Deste modo, a conclusão acerca da legalidade ou não das condutas de mercado, competitivas ou anticompetitivas, depende da análise de sua razoabilidade, além da observância dos possíveis ganhos de eficiência associados a essas práticas. Portanto, dentro de toda a lógica adotada pelo CADE, é importante compreender que a finalidade do direito da concorrência do Brasil, na condição de país em desenvolvimento, deve considerar além dos efeitos líquidos negativos incidentes sobre o bem-estar social, a da proteção da rivalidade entre as empresas, na medida em que esse valor seja apto a promover um desenvolvimento econômico inclusivo.

Por todo exposto, análises de mercados pautadas por preocupações com os impactos para a sociedade são de extrema importância, mas não se deve esquecer que para um mercado funcionar de forma livre, salutar e inclusiva, seja ele concentrado ou não, a observância do trade off positivo para sociedade, proteção da rivalidade e observância de eficiência se faz necessária, para garantir o bom funcionamento da economia e o crescimento do país.

Cristiane Caravana, advogada e compliance officer do Sindigás

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