Fonte: Petronotícias

Sindigás_Sergio Bandeira_2019_crédito Rodrigo MiguezA inflação em 2019 no Brasil fechou em 4,31%, mas essa variação não resultou em aumento do preço do gás de cozinha (gás liquefeito de petróleo ou GLP). O valor do combustível permaneceu praticamente estável no ano passado, com ligeira alta de apenas 0,13%. O dado foi levantado pelo Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Gás Liquefeito de Petróleo (Sindigás), usando informações da Agência Nacional do Petróleo (ANP). E a explicação para esse cenário está na maior concorrência por consumidores travada pelas distribuidoras do produto, conforme avaliou o presidente do Sindigás, Sergio Bandeira de Mello. “A margem das empresas distribuidoras caiu 15% [em 2019]. O que aconteceu foram as pressões competitivas que se dão no mercado de GLP. Ou seja, as companhias estão disputando entre si por mercado”, explicou. Mello ainda lembrou que 2019 foi marcado por uma demanda reprimida, o que acabou criando uma pressão concorrencial e, por tabela, diminuição da margem das distribuidoras e estabilização do preço. Para 2020, ainda é cedo fazer previsões, diz o presidente do Sindigás, mas fatores como o coronavírus e o inverno do hemisfério Norte podem reduzir os preços do GLP nas refinarias.

Gostaria que começasse analisando e explicando como ocorreu essa estagnação no preço do GLP em 2019.

Ao olhar a composição do preço, você pode ver que na Petrobrás houve um aumento de 5%, muito perto da inflação (4,31%). Os impostos aumentaram um pouco mais, cerca de 9%. E a margem da distribuição teve um rebaixamento, segundo os números da ANP. O que podemos dizer desse cenário é que tivemos um ano com o preço que não teve variação. Se formos olhar em valor real, na verdade houve uma queda, considerando uma inflação de 4,3%. Claro, cada mercado é um mercado. Em alguns estados houve queda de preço enquanto em outros tivemos aumento. Mas, na média Brasil, houve uma estabilidade de preço. Ou seja, o preço livre pode sim significar estabilidade no valor do GLP.

Gráfico produzido pelo Sindigás mostra as mudanças na composição do preço do GLP ao longo de 2019

Gráfico produzido pelo Sindigás mostra as mudanças na composição do preço do GLP ao longo de 2019

Além disso, existe a questão de competição de mercado. Vamos lembrar que houve aumento de 5% no produtor (Petrobrás) e de 9% nos impostos. O que poderia acontecer é que preço final teria que subir entre 5% e 9%. Mas na prática, isso não ocorreu. A transferência de preço para a cadeia não aconteceu nesses 12 meses. A margem das empresas distribuidoras caiu 15%. O que aconteceu foram as pressões competitivas que se dão no mercado de GLP. Ou seja, os distribuidores estão disputando entre si por mercado. Se existisse um cartel, as empresas se uniriam para recuperar as margens. Essa é a grande notícia nesse número: o preço se manteve, mesmo com o aumento do ICMS e da margem Petrobrás. Quando as pressões competitivas se dão, a coisa funciona.

E como isso impacta no segmento de distribuição de GLP?

Do ponto de vista do mercado de distribuição, isso é uma má notícia. Essas empresas estão diminuindo a margem bruta, o que significa que elas estão sacrificando o lucro. Mas isso faz parte do jogo. Quando existe uma pressão por preço, não necessariamente você consegue transferir para o consumidor final. Então, a má notícia foi que as distribuidoras potencialmente perderam lucro em 2019. Mas as boas notícias são que o preço ficou estável para o consumidor final e que as pressões competitivas estão se dando no mercado GLP.

Existe a previsão de que isso vai se repetir em 2020 ou ainda é cedo para falar?

É cedo para falar. Com o coronavírus, tivemos uma queda de 20% no preço do petróleo desde o anúncio da doença até hoje. Em compensação, o dólar subiu. Então, provavelmente o preço refinaria, o preço Petrobrás, deve ter uma tendência de queda pela pressão do coronavírus. E depois de abril e maio, temos os efeitos do inverno no hemisfério norte, com tendência de queda na refinaria. O GLP na Europa e nos EUA são moléculas que, durante o inverno do hemisfério Norte, passam a valer mais porque existe muita demanda para aquecimento de água e ambiente.

Em entrevista recente ao Petronotícias, o Sindigás apontou que 2019 teve uma demanda um pouco menor por GLP. Isso certamente impactou nos preços, correto?

A demanda estável com viés de baixa para o botijão de 13 kg fez com que o preço não subisse. Na minha visão, a demanda ficou reprimida, provavelmente fruto da própria recessão econômica que ainda atravessamos. E temos também mudança de hábitos e costumes, como o aumento do consumo de comida fora de casa por parte dos consumidores. Essa queda por demanda de GLP, certamente, criou uma pressão concorrencial que acabou culminando numa estabilização do preço. E, se olharmos do ponto de vista inflacionário, houve uma queda no preço, se você corrigir o valor pela inflação.

E como será a demanda em 2020? A economia deve crescer 2% neste ano, segundo os economistas.

As empresas de GLP projetam algo em torno de 1,2% e 1,7% de aumento de demanda neste ano de 2020. Imaginamos que existe uma demanda reprimida. Até os níveis de estoques de GLP [na casa dos consumidores] diminuíram. As pessoas estão consumindo até o último dia de GLP e não estão mantendo reserva. Se a economia melhorar um pouco, as pessoas não vão apenas aumentar o consumo de GLP, mas devem aumentar seus estoques. Se a economia do Brasil crescer 2%, nós imaginamos que a demanda pode aumentar em até 1,7%.

Algumas empresas do setor de GLP estão falando em importar GLP de países vizinhos. Queria que o senhor analisasse esse movimento e seus impactos para o mercado.

O impacto é importante. A competitividade desse setor vai acontecer naquilo que chamamos de supply game, ou seja, no abastecimento primário, que hoje é feito 100% pela Petrobrás. O que nós imaginamos é que com mais agentes produzindo no Brasil (com UPGNs, refinarias ou importando), tentando colocar mais GLP no mercado, isso pode causar uma redução no preço de oferta do GLP. Isso é um potencial muito grande. Hoje, cerca de 31% ou 32% de GLP consumido no Brasil é importado. Você tem aí uma oportunidade. Com a janela de importação sendo aberta, será possível fazer aquilo que chamamos de contestação do preço refinaria.

Se você tem um vendedor único de GLP, que é a Petrobrás, ela não contesta o próprio preço. É natural. A contestação de preço só vai acontecer quando tivermos mais agentes no mercado. Então, temos 32% do mercado de GLP aberto para essa possibilidade, que depende de condições que já foram dadas pelo fim da diferenciação de preço [entre os botijões para uso doméstico e comercial]. O potencial de importação, na visão do Sindigás, existe sim. Existe espaço para outros traders entrarem no mercado.

 

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