Fonte: Exame
Já está tudo acertado. Marcos Lutz, ele mesmo, o ex-presidente do Grupo Cosan, vai ter assento no conselho de administração da Ultrapar a partir da assembleia geral ordinária (AGO) de acionistas de 2021. As conversas entre os acionistas foram concluídas em bons termos, como já era esperado quando o EXAME IN, em setembro, antecipou o provável retorno do executivo ao grupo após 13 anos na concorrência.
Mas, para quem não é familiarizado com a Ultrapar, que fique claro: o movimento não é pouca coisa. Eleição de conselho de administração e formação de chapa são temas para lá de sérios e, na maioria das vezes, os trabalhos começam com grande antecedência. A expectativa é que não haja nenhuma grande surpresa além da eleição de Lutz, e a indicação para mandato integral de um representante da gestora de private equity Pátria Investimentos — Alexandre Saigh, passou a compor o colegiado em setembro.
Fundada em 1937, no Rio de Janeiro, a Ultrapar é um dos conglomerados industriais mais antigos do país e reúne a distribuidora de combustíveis Ipiranga, mais Ultragaz (gás de cozinha), Ultracargo (logística e armazenagem de granéis líquidos), Oxiteno (químicos) e a rede de farmácias Extrafarma.
A ideia neste momento é que a chapa do conselho de 2021 mantenha 11 participantes e, por enquanto, ainda não houve uma definição de quem deve sair da formação. Hoje, além do chairman Pedro Wongtschowski e Saigh, compõem o colegiado Lucio de Castro Andrade Filho, como vice-presidente, Alexandre Silva, que é chairman da Embraer, Ana Paula Vescovi, Flavia Almeida, da Península Participações, José Galló, a eterna identidade da Lojas Renner, Nildemar Secches, que foi a cara da Perdigão e está presente em outros colegiados importantes, José Maurício Pereira Coelho, Joaquim Pedro Monteiro de Carvalho Collor de Mello e José Marques de Toledo Camargo.
A vinda — ou melhor dizendo, o retorno de Lutz — deve ser acompanhado de um investimento em uma participação no bloco dos acionistas de referência (uma espécie de controle minoritário, por meio de um acordo que une os votos de Parth e Ultra). Por isso, o movimento é muito mais do que apenas se tornar um conselheiro. Para que ele entre, é preciso que alguém venda uma parcela dos papéis, uma vez que o bloco tem quantidade de ações fixas, pois não há nenhum desejo da empresa em reduzir o número de papéis em circulação e a liquidez. Esse bloco concentra 33% do capital da Ultrapar. A gestora Pátria, por exemplo, entrou nessa estrutura em novembro de 2019 e tem ainda um investimento desvinculado do acordo de sócios.
O investimento no bloco e a participação no conselho produzem alinhamento e, no caso de Lutz, deve marcar o início de uma relação de longo prazo. Ao menos, esse é o objetivo de toda essa conversa e a explicação do tempo de ‘namoro’ envolvido. O comprometimento será proporcional ao de uma pessoa física e, portanto, não deve modificar a estrutura de poder das famílias.
Lutz se afastou completamente da holding do Grupo Cosan em junho, quando deixou o conselho de administração da holding e das controladas nas quais atuava.
Para quem tem memória curta, Lutz foi forjado na cultura Ultrapar, bebeu da fonte quando Paulo Cunha ainda estava à frente dos negócios. Ficou na empresa fundada pela família Igel de 1994 a 2003, onde foi diretor-superintendente da Ultracargo, o equivalente à presidente dessa unidade de negócios.
Mais do que isso, também é bem próximo da família fundadora, pois na adolescência foi um dos melhores amigos de Ernesto Igel, irmão de Fabio Igel (sim, um dos fundadores da renomada gestora de venture capital Monashees). Já faz mais de um ano que Fabio tinha como plano a vinda do executivo —mas, na época, quando começou a acalentar a ideia, Lutz ainda estava na Cosan. Inicialmente, chegou a se cogitar que ele assumisse a presidência do Ultrapar, mas essa é uma cadeira na qual o executivo não tem planos de voltar a sentar. Só que o laço poderá ser ainda mais forte como acionista e conselheiro.
Embora o assunto seja tratado com muita delicadeza, a chegada de Lutz ao conselho da Ultrapar é o início de uma preparação de sucessão do atual chairman Pedro Wongtschowski, por enquanto sem data para ocorrer. Essa é a leitura de todo o mercado sobre o movimento e a percepção é de que a iniciativa é salutar: o cuidado com a sucessão em uma companhia tão tradicional — um dos mais antigos grupos industriais do país — é algo que passou a ser muito cobrado pelos investidores.
Os impactos da saída de Cunha são sentidos até hoje, na opinião de quem conhece bem o grupo por dentro. Ninguém conseguiu o mesmo que o executivo (que se tornou também acionista importante) em termos de unidade na gestão da holding de negócios tão diversos e o mesmo acompanhamento em profundidade — algo visto como natural pela sua capacidade de liderança. A companhia era vista como dona de uma gestão primorosa, sinfônica, e dona um toque de midas para os ativos sob seu guarda-chuva. O conglomerado chegou a valer aproximadamente 45 bilhões de reais. Mas o brilho começou a minguar em 2017 e em 2018 a empresa perdeu metade de seu valor de mercado e nunca mais se recuperou desse patamar. Ontem, terminou o pregão avaliada em 23 bilhões de reais.
Na época, chegou a sinalizar que iniciaria uma revisão de seu portfólio de ativos, considerando mudanças que poderiam incluir a venda de Oxiteno (ou fusão) e da Extrafarma. Mas, até o momento, nenhum passo concreto nessa direção ocorreu. Nos primeiros nove meses de 2020, a Ultrapar teve receita líquida de 58,5 bilhões de reais, ante 65,6 bilhões de reais em igual período de 2019. Apesar da queda no faturamento, afetado pela pandemia, o Ebitda ajustado teve ligeiro crescimento, passando de 2,44 bilhões de reais para 2,53 bilhões de reais, no mesmo intervalo de comparação. O lucro líquido caiu de 670 milhões de reais para 496 mihões de reais.
A experiência de Lutz, que antes de ingressar na Cosan também passou pela Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e foi membro dos conselhos a MRS Logística, CFN Railways e da Ita Energética, cai como uma luva para a Ultrapar. Há quem diga que ele deu a volta no mundo corporativo para retornar ao mesmo lugar, mas com outra estatura. O grupo Cosan, que também tem no negócio de varejo de combustíveis a principal receita — e principal rival da Ipiranga — é uma holding dona de várias operações, tal qual a Ultrapar. A holding de Ometto é dona ainda da Comgás, da Rumo, da Raízen Energia (usinas sucroalcooleiras e origem de Ometto).
O desafio de Lutz não será pequeno. E, ao que tudo indica, nem o seu papel na casa nova.