Fonte: EPBR

O presidente  (sem partido) sancionou sem vetos nesta quinta (8) o novo marco regulatório do setor de gás (PL 4476/20). O texto, aprovado na Câmara dos Deputados em 16 de março, manteve o conteúdo original proposto pelo governo.

O marco do gás foi relatado pelo deputado Laércio Oliveira (PP/SE), que desde 2019 defendeu o projeto original (PL 4476/2020) aprovado na Comissão de Minas e Energia (CME) da .

Após a aprovação no plenário da Câmara, o texto recebeu emendas no Senado, por iniciativa de Eduardo Braga (MDB/AM), que queria medidas para estimular a construção de gasodutos e usinas termoelétricas em regiões sem acesso ao gás canalizado.

Após receber as emendas no Senado, o texto voltou para a Câmara, onde teve todas as emendas rejeitadas e seguiu para sanção presidencial com o conteúdo original da CME.

O que diz a nova ?

  • Garante acesso à infraestrutura essencial por agentes do mercado. São regras que obrigam as empresas que detém gasodutos de transporte e unidades de processamento a ofertar capacidade, impedindo que o monopólio natural se transforme em monopólio de fato – não faz sentido econômico construir dutos concorrentes para atender a um mesmo mercado;
  • Garantia de acesso inclui terminais de GNL;
  • Estabelece o regime único de autorização para construção de gasodutos de transporte e estabelece regras tarifárias para contratação dos serviços, que serão alvo de consulta pública;
  • Também estabelece o chamado modelo de entrada e saída: empresas contratam capacidade de injeção (entrada) e retirada de gás (saída) dos gasodutos de transporte. Ideia é dar flexibilidade para os fluxos contratuais e físicos do gás;
  • Estabelece competências para a ANP. A agência federal do setor poderá promover medidas para obrigar agentes a ofertar  para estimular a concorrências (o gas release). E classificar dutos como de transporte dentro de condições pré-estabelecidas, como as características do projeto;
  • Determina regras de independência entre empresas que atuam em diferentes elos da cadeia de gás. Proíbe, por exemplo, que uma empresa tenha participação societária, mesmo que indireta, que leve ao controle combinado de transportadores e supridores e agentes carregamento e comercialização de gás natural.

Pontos de divergência

As distribuidoras de gás natural, em geral, defenderam mudanças em artigo que garante à Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) uma competência para definir se gasodutos devem ser enquadrados como de transporte por suas características físicas. Nestes casos, a regulação aplicável é federal.

Na distribuição, o serviço de gás canalizado é um monopólio dos estados garantido pela Constituição Federal. Há um entendimento que tal medida pode levar a questionamentos judiciais, inclusive no Supremo Tribunal Federal (STF).

Felipe Boechem, sócio do Lefosse Advogados, explica que a Lei pode ajudar a criar maior consenso sobre a questão, mas dificilmente eliminará o debate por completo, já que envolve agentes com interesses distintos.

“Vale destacar que o regramento da classificação de gasodutos trazido pela nova lei esclarece algumas situações que antes geravam muito debate”, explica.

“As definições de gasodutos do regime anterior eram eminentemente geográficas, ou seja, era basicamente um exercício de verificar os pontos conectados pelo gasoduto. A nova lei traz espaço para uma maior sofisticação na classificação dos gasodutos, sendo possível em alguns casos considerar as características específicas do gasodutos”, completa.

Livia Amorim, sócia da área de Energia do Souto Correa Advogados entende que a distinção constitucional não é clara.

“A distinção jurídica entre o que é transporte (lato sensu, sujeito à competência da União) e o que é serviço local de gás canalizado (sujeito à competência dos estados) não é claramente delimitada na Constituição Federal. Historicamente, há uma série de litígios em relação ao tema”, afirma.

Lívia explica que o crescimento do mercado e a expansão da infraestrutura tende a materializar de forma mais clara essa divisão.

“O desenvolvimento de novos projetos e decisões em concreto sobre cada caso vão fazer com que se construa uma fronteira um pouco mais clara sobre a fronteira entre as competências”, diz.

Outro ponto de contenda na Lei do Gás é a garantia de desverticalização e independência entre empresas de distribuição, transporte e produção de gás natural. De um lado, há uma defesa pela competitividade trazida ao se manter os elos da cadeia de gás independentes, evitando assim que um grupo controle todo o “caminho” necessário para que o gás produzido ou importado chegue no consumidor.

Essa é posição do governo federal, de associações de produtores, transportadores e consumidores de gás natural.

De outro, o argumento é que o mercado brasileiro ainda tem a uma infraestrutura de gás limitada e concentrada em poucas regiões – boa parte da malha de transporte está em regiões costeiras – e a atuação verticalizada de grandes empresas colabora para viabilizar investimentos em projetos integrados.

Assim, seria mais fácil expandir a infraestrutura de gás disponível no mercado.

Maria Carolina Priolli, advogada da área de Petróleo, Gás & Offshore do Vieira Rezende Advogados, acredita que o marco dá maior segurança jurídica a temas que já vinham sendo debatidos e parcialmente implementados de forma infralegal.

“Apesar de a ANP já possuir respaldo pela legislação até então vigente sobre o tema, as regras de desverticalização adotadas pela nova Lei do Gás proporcionarão uma maior segurança jurídica para que a nova regulação, que será publicada pela ANP, possa garantir o acesso não discriminatório pelos agentes interessados às infraestruturas de transporte”, explica.

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