Fonte: Sindigás

Em entrevista exclusiva para o portal do Sindigás, Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), analisa a proposta do programa Gás para os Brasileiros, aprovado pelo Senado nesta terça-feira (19), e que volta para a aprovação da Câmara. Com quatro décadas de atuação na área de energia, Pires reconhece que o projeto representa um grande avanço do Governo sobre a necessidade de oferecer às famílias de baixa renda um subsídio para viabilizar o acesso ao botijão. No entanto, aponta falhas apresentadas no atual modelo, em relação à focalização, à fonte do recurso e à duração do programa, estipulado em cinco anos. Para essas questões, ele sugere a criação de um cartão eletrônico, específico para a compra do botijão, e uma Cide, paga pela população para ser revertida em subsídio à camada mais pobre.

Quais pontos positivos da proposta o Sr. destacaria?

AP – O principal é que este programa consiste no avanço tanto do Governo, quanto do Congresso no entendimento de que é preciso oferecer um programa de gás às famílias de baixa renda, em particular às inscritas no Bolsa Família. Assim como o subsídio na tarifa de energia elétrica, faz todo sentido termos um benefício para a compra do botijão, uma vez que por conta da taxa de câmbio e da alta do barril de petróleo, o preço do produto aumentou. Além disso, o impacto econômico provocado pela pandemia agravou as dificuldades de acesso ao gás.

E os negativos?

AP – No meu ponto de vista, o projeto apresenta três falhas: a primeira é que não existe a criação deum cartão eletrônico para que este recurso seja utilizado especificamente para a compra do botijão. É preciso um programa com o dinheiro carimbado, pois do jeito que foi aprovado, aumenta o Auxílio Brasil, reportando que uma parte desse aumento será para a compra do botijão. Isso é um equívoco. Vamos cometer o mesmo erro do governo FHC, quando o dinheiro do vale-gás era usado para outras finalidades.

Outro erro é a fonte dos recursos. Acredito que, em vez de usarmos os recursos de royalties e dividendos da Petrobras, poderíamos criar uma Cide no próprio botijão, que seria paga por todos os consumidores. Sabemos que o botijão é usado em mais de 90% dos lares brasileiros, então as famílias de renda média e alta também usam o produto. Neste sentido, poderia usar essa parcela paga pelas famílias de maior renda para beneficiar as de renda mais baixa. Acredito que essa seria a maneira mais rápida e menos burocrática de acelerar a entrada e a operação desse programa social.

O terceiro ponto diz respeito ao tempo de duração, de cinco anos. Esse programa deveria ser perene. Em cinco anos não se reduzirá totalmente o consumo de lenha para cocção, que é uma das metas do programa. O Brasil não vai virar uma Suíça nesse período. Se não tivermos esse entendimento, daqui a cinco anos o Congresso estará novamente discutindo essas mesmas questões.

Quanto às fontes de financiamento então poderiam ter pensado em algo melhor?

AP – O projeto propõe o uso de royalties, dividendos da Petrobras e recursos do Fundo Social administrado pela PPSA, com o dinheiro excedente de óleo e gás natural nos contratos de partilha. Acredito que o uso desses recursos pode atrasar a operação do programa e temos urgência que ele comece o mais rápido possível. Me parece que estão procurando o caminho mais complexo e demorado para achar o recurso. Existe uma maneira mais simples que é criar uma CIDE do próprio botijão de gás, pago por todo mundo e com a o dinheiro arrecadado reverteria para um fundo, que subsidiaria o produto para as famílias de baixa renda.

Na sua opinião, esses programas sociais conseguem mitigar a venda de GLP fracionado? 

AP – Certamente. A venda fracionada não faz o menor sentido, é uma ideia esdrúxula e populista. Encher o botijão de maneira fracionada não vai resolver, mesmo porque do ponto de vista econômico o custo sairá mais caro, já que o que é vendido fracionado é mais oneroso do que no atacado. E sabemos que a comercialização fracionada compromete a segurança, pode provocar acidente e colocar em risco a vida dos consumidores. Portanto, isso não vai atingir o objetivo que é melhorar o acesso da população mais pobre ao botijão.

Existem algumas propostas para reduzir o preço do GLP, como o fim da marca, a venda fracionada do energético e a compra direto nas refinarias. Na sua opinião, tais medidas funcionam ou apenas confundem o mercado? Quanto ao custo, são mais onerosas ou de fato podem reduzir o preço? 

AP – Além de mais onerosas, essas alternativas geram mais confusão do que solução para o mercado. Todas essas propostas têm como objetivo oferecer às famílias de baixa renda acesso ao botijão.  Mas a verdadeira solução está em um programa social. Quando as falhas que apontei inicialmente forem corrigidas, vamos parar com essas ideias mirabolantes e ineficazes. Aí sim vamos resolver o problema que é como a camada mais vulnerável da população pode ter acesso ao botijão, a forma mais segura e saudável de cozinhar.

Segundo dados da EPE, o consumo de lenha na matriz energética residencial atingiu 24% em 2020. Considera esse percentual crível?

AP – O índice de consumo de lenha no Brasil é muito discutido, porém não é simples chegar a um número fechado. Nas comunidades carentes dos principais centros urbanos do país, a população não usa lenha de árvores, e sim aquela catada nas obras, nas ruas. E essa lenha não está contabilizada na metodologia de cálculo da EPE. De qualquer maneira, considerando um país de grandes proporções territoriais, como é o nosso, ter um índice de 24% no consumo de lenha é alto. Por isso, ressalto a importância desse projeto, pois uma das frentes que ele combate é justamente a redução do uso da lenha para a cocção. Usar lenha para cozinhar é um risco para o meio ambiente e para a saúde da população.

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