Fonte: Monitor Mercantil / imagem: Sindigás

Conversamos com Sergio Bandeira de Mello, presidente do Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Gás Liquefeito de Petróleo (GLP), Sindigás, sobre o preço do GLP, o que os governos poderiam fazer para deixar os preços mais competitivos e a existência de uma visão estratégica no Brasil com relação o GLP.

Como você avalia o preço do GLP?

O preço do GLP não está caro, mas uma parcela da sociedade está com dificuldade orçamentária para acessar o produto. Como o GLP atende a todas as camadas sociais, ele tem um impacto muito grande para os menos favorecidos. Seu preço está competitivo quando comparado às energias alternativas. Os preços da energia elétrica e do gás natural dispararam mais que o GLP.

No Brasil, 66 milhões de lares utilizam o GLP. Se considerarmos que mensalmente são vendidos 35 milhões de botijões, nós vemos que um botijão dura quase 60 dias. Se utilizarmos como referência um grande mercado como São Paulo, a energia elétrica é 10,03% mais cara que o GLP. O gás natural, 27,6%.

O que é doloroso é você observar que no começo da pandemia o botijão de gás custava R$ 69 e hoje está custando R$ 102 (preço médio Brasil). O aumento de 37% registrado nos últimos 12 meses está relacionado ao preço do mercado internacional e a desvalorização do real. Além disso, a Petrobras, sem nenhuma crítica ou defesa exagerada, está fazendo a precificação baseada no melhor preço x oportunidade.

Qualquer instrumento de artificialização do preço do GLP deve ser acompanhado pela discussão sobre quem paga: o consumidor ou o contribuinte? Todo o resto da discussão é televisiva. Ficar procurando randomicamente um culpado em alguns dos elos da cadeia (distribuidoras, revendedores ou Petrobras), imaginando que se vai encontrar uma solução que ninguém mais viu, não vai resolver o problema, que por ser extremamente complexo, exige soluções complexas.

Do nosso ponto de vista, o foco não deveria ser abaixar o preço, mas combater a pobreza energética focalizando em quem tem dificuldade de acesso a um energético tão fundamental quanto o GLP. Tudo isso com métricas claras para que se possa fazer um acompanhamento de performance da política pública.

O que os governos poderiam fazer para deixar o preço do GLP mais competitivo?

Não acho que haja algo que possa ser feito pelos governos. O que falta é conversa técnica. Com a quebra de monopólio da Petrobras, o investimento privado tem que ser efetivamente atraído para garantir o suprimento primário do produto, que até hoje depende quase que de forma total da Petrobras. De alguma forma nós vemos esse movimento no processo de desinvestimento da Petrobras, o que pode trazer uma melhor dinâmica ao setor. O governo deve motivar os investidores privados para competirem com a Petrobras nesse elo do abastecimento primário.

Da cadeia para baixo, nós vemos o bom funcionamento do setor. Nós vendemos 35 milhões de botijões por mês e não aparecemos na relação dos 50 principais problemas dos Procons. Ou seja, alguma coisa nós fazemos direito.

Então o que se faz no mundo todo para abrandar os solavancos dos preços do GLP? A primeira coisa que se fala muito são os fundos de estabilização. O senador Jean Paul Prates (PT-RN) tem um projeto para criação de um fundo brasileiro. A questão é que um fundo desse tipo é fácil de ser implantado, mas o seu manejo é muito difícil. Para criá-lo, você tem que alimentar o fundo para que ele possa ser utilizado num momento de necessidade. Todo mundo fala que um fundo abaixaria os preços, mas ninguém fala que para isso o fundo iria onerar os preços para ter recursos para o momento em que tiver que baixá-los. Quando se começa a liberar os recursos do fundo, você tem que tomar cuidado para que os recursos não acabem antes da necessidade. Vários países já se frustraram na utilização desses fundos. Não estou dizendo que é bom ou ruim, mas o nível de dificuldade, manejo, gerenciamento e construção do fundo é muito difícil.

A segunda questão é a revisão dos tributos. O ICMS médio do GLP no Brasil é de 14%, enquanto o ICMS médio de toda a economia é de 9% e o da cesta básica é de 4%. Cabe uma reflexão sobre a adaptação da carga tributária do GLP à sua relevância social, mas o Sindigás não tem uma recomendação para baixar o ICMS. Política fiscal é feita pelos estados, e cada estado sabe onde aperta o cerco. Não temos dúvida que os estados cobram esses ICMSs do GLP pela facilidade de arrecadação gerada pela substituição tributária. Outra questão é que uma redução do ICMS, que teria um custo político elevadíssimo, pode ser anulada logo em seguida devido a um reajuste de preços.

A terceira possibilidade é a criação de um mecanismo de programa social. Nós temos uma visão de que o alvo não deve ser a produção do GLP e nem o seu barateamento. Um programa social deveria combater a pobreza energética. Por exemplo, a lenha ocupa 26% da matriz energética residencial brasileira. Isso é absolutamente bizarro. Esse dado é da Empresa de Pesquisa Energética. Num programa social, o GLP seria uma opção quase que obrigatória por uma razão simples. Segundo o IBGE, 96% dos lares brasileiros estão equipados para consumir GLP. Para que isso funcione, deve-se focar em quem realmente precisa. Esse é o maior erro dos subsídios generalizados, que possuem um custo fiscal muito alto e uma potência muito baixa. Por último, esses recursos devem ter destinação específica para que sejam usados apenas na compra de gás. Se não for assim, essas famílias, que estão num estado de vulnerabilidade tão grande, poderão utilizar os recursos para outras prioridades, e não para a compra de gás. Elas vão utilizar madeira e comprar leite. É preciso saber o que se quer: um programa de transferência de renda ou um programa específico de substituição de energias.

Essas são as oportunidades que vejo. Eu prefiro sempre acreditar que o governo deve se envolver o mínimo possível e verificar se o mercado está funcionando bem.

Falta visão estratégica com relação ao GLP no Brasil?

Existe um vício de percepção de que o GLP se resume a botijão de gás, é um produto de pobre e precisa ser subsidiado. São vícios que carregamos há muitos anos, imaginando que assim fosse, mas não é. O GLP é um produto com muitos usos, como a substituição de energia elétrica. Por exemplo, os chuveiros elétricos são uma jabuticaba com um custo elevadíssimo para a sociedade. O GLP deveria ser utilizado como energético ponta de lança para o desenvolvimento de mercados de gás natural. Se o GLP for misturado com ar, temos o gás natural sintético que pode rodar uma unidade produtiva como se estivesse recebendo gás natural. Com isso, ela recebe GLP por caminhão sem a necessidade e custos de ter um duto. Ele também pode ser utilizado na geração de energia elétrica remota.

Falta uma visão estratégica que é o reposicionamento técnico sobre o debate do preço do GLP e a focalização nos seus adversários, principalmente a pobreza energética.

Categorias: DestaqueNotícias

Copyright © 2016 - Sindigas - www.sindigas.org.br — Todos os direitos reservados - Política de Privacidade