Carta Aberta ao Presidente Lula

Senhor Presidente:

As recentes notícias de possíveis mudanças na legislação sobre a distribuição e a revenda de gás de cozinha indicam um sério risco para a sociedade brasileira, com gravíssimas consequências, em especial para as camadas mais carentes da população. Sob o pretexto de impedir “cartelização” e os “preços abusivos”, pretende-se relaxar os requisitos para entrada de novas empresas distribuidoras no mercado. Na prática, isto significa fazer com o GLP o que foi feito com a gasolina e outros combustíveis claros: a falta de critérios rigorosos para o credenciamento dos distribuidores e revendedores abre as portas do mercado para as ações criminosas da pirataria, que se traduzem na adulteração dos produtos, sonegação fiscal e outras irregularidades.

Os vergonhosos acontecimentos ligados à máfia dos combustíveis mostram claramente esse estado de coisas, só que agora o perigo é ainda maior. Enquanto a adulteração da gasolina afeta o motor do carro, um botijão de gás de cozinha sem a devida manutenção pode matar uma família. O GLP é o energético mais usado nas residências em todo o país, sendo fornecido em 100% dos municípios a mais de 40 milhões de famílias, que utilizam o gás em botijões para o preparo de seus alimentos.

Para que esse serviço essencial seja prestado à população com regularidade e segurança, existem no país 93 milhões de botijões de gás de cozinha, todos com a marca da empresa distribuidora responsável por seu conteúdo e por suas condições de uso. A presença da marca, na rede de vendas e nos botijões, é um fator de responsabilização das empresas, ao passo que a prática da “multimarca”, defendida por alguns, seria altamente prejudicial aos interesses do consumidor, pois impediria a identificação dos responsáveis pelo produto, favorecendo a impunidade e a pirataria.

Em defesa da segurança do consumidor, as distribuidoras investiram mais de 1 bilhão de reais nos últimos anos, requalificando 31 milhões de botijões, sucateando quase 7 milhões de unidades e colocando em circulação mais de 20 milhões de novos botijões. Além disso, todos os botijões vazios são submetidos a criterioso sistema de destroca, em centrais estrategicamente localizadas, de modo que as distribuidoras comercializem o produto somente em recipientes que tenham a sua própria marca estampada, conforme previsto no Código de Auto- Regulamentação dessas empresas.

Este código firmado entre as empresas e o governo, Senhor Presidente, tem servido de modelo para outros países e praticamente eliminou os acidentes fatais com botijões de GLP em nosso país. A sociedade brasileira não merece que ele seja rasgado e no seu lugar seja instituído um irresponsável laissez-faire que pode levar ao caos no fornecimento, ao descontrole nos preços e a graves acidentes nos lares.

Seria um perigoso retrocesso para o nosso país se as regras para a entrada de distribuidoras e revendas no mercado abandonassem os requisitos de capacidade técnica, logística e financeira, atualmente em vigor. É o respeito à legislação vigente e a exigência desses requisitos que asseguram a regularidade no fornecimento do gás de cozinha em todo o território nacional, como também o rigoroso controle de qualidade, os cuidados com a segurança e o respeito aos direitos do consumidor.

Merecem, por isso, ser prestigiadas e reforçadas as exigências reguladoras que a Agência Nacional do Petróleo estabelece para o ingresso de qualquer nova empresa no mercado de combustíveis. Entretanto, o que lamentavelmente se observa é a verdadeira invasão de grupos piratas que, em franca desobediência às regras da ANP, obtiveram discutíveis liminares para operar no mercado de maneira afrontosa. Em recente pronunciamento no Congresso Nacional, o embaixador Sebastião do Rego Barros, diretor-geral da ANP, afirmou que, das 173 distribuidoras de combustível em operação no país, nada menos que 82 operam apenas por força de liminares judiciais. Será que é isto que as autoridades econômicas desejam ver instalado também no mercado de gás de cozinha?

Damos nosso aplauso e apoio às preocupações do Governo Federal no sentido de tornar o preço do gás de cozinha mais acessível à população de baixa renda. Para isso, é preciso focalizar as verdadeiras causas que incidem sobre a formação dos preços, como a elevada carga tributária, que é muito superior à de outros combustíveis, No entanto, as recentes declarações de autoridades da área econômica estão priorizando um fator equivocado e ilusório que não vai resolver o problema do preço alto, podendo até agravá-lo, além de permitir a implantação de verdadeiros monopólios regionais e criar situações de sério risco para o consumidor, Sob o pretexto de aumentar a competitividade, como se isso dependesse do número de distribuidoras atuando no setor, promove-se o ingresso de empresas que não têm qualquer compromisso com o consumidor nem com o poder público, e sim com seus próprios lucros, muitas vezes obtidos de maneira fraudulenta, Infelizmente, a estrutura de fiscalização em nosso país ainda é muito pequena em relação à imensidão do território nacional. Portanto, já se podem antever as gravíssimas consequências das infelizes medidas que vêm sendo anunciadas.

O Brasil conta hoje com 17 empresas distribuidoras de GLP, cerca de três mil empresas revendedoras e mais de 100 mil pontos de venda nos 5.500 municípios do território nacional. Este cenário está muito longe de configurar um cartel ou qualquer coisa parecida. A alegada concentração existente no Brasil, onde cinco empresas respondem por 80% do mercado, é característica da atividade de distribuição de GLP no mundo inteiro, a exemplo de países como França, Inglaterra, Espanha, Turquia, Índia, Tailândia, Argentina, Chile e Venezuela, que apresentam um grau de concentração semelhante ou mais elevado do que o Brasil. O que define uma estrutura cartelizada é o controle dos preços e dos pontos de venda, e no caso da comercialização do GLP a livre concorrência é total. O mercado nacional de GLP é um dos mais competitivos do mundo. A comprovada diferenciação de preços (vide site da ANP) e de condições de comercialização nessa imensa malha de revenda é a melhor demonstração de que o regime de concorrência aberta é um traço marcante do setor.

Entretanto, em função do custo do produto e do baixo poder aquisitivo da maior parte da população, as vendas de GLP no país estão em queda. Encolheram 5% em 2002, em relação ao ano anterior, e quase 10% nos primeiros meses de 2003. As distribuidoras e seus revendedores vêm praticando margens inferiores às necessidades de cobertura de seus custos e, por isso, estão operando no vermelho, conforme se pode ver nos balanços das empresas, analisados por auditorias idôneas e independentes.

O preço elevado do gás de cozinha é danoso para a população carente que necessita do produto, para a arrecadação do governo, para a sobrevivência das empresas distribuidoras e seus revendedores, e para o meio ambiente, uma vez que já se verifica o retorno ao consumo da lenha em diversas regiões. A solução para esse problema não vai ser atingida por tabelamento ou mudanças nas leis e portarias que regulam a distribuição, e sim pela redução da carga fiscal, pela criação de um fundo de estabilização com recursos da CIDE para minimizar a volatilidade do câmbio e dos preços internacionais do GLP, e pela ampliação do Auxílio-Gás que poderia ter seu valor reajustado, além de ser estendido a um número maior de famílias. Estas sugestões foram apresentadas à Ministra Dilma Rousseff pelas empresas integrantes do Sindigás, que estão à disposição do governo para colaborar na busca da melhor solução, especialmente no sentido de tornar o GLP mais acessível à população de baixa renda.

Diante disso, o Sindigás, em nome das empresas que há mais de sessenta anos cuidam do envasamento e da distribuição do GLP no Brasil, dirige-se a Vossa Excelência e a todo o povo brasileiro, advertindo para a grave ameaça que se anuncia e cujas consequências poderão comprometer desastrosamente o empenho do Governo Federal na luta contra a injustiça, a impunidade e o desrespeito às leis em nosso país. Estamos prontos a prestar total apoio aos esforços do Governo Federal, conscientes de nossa responsabilidade social para a manutenção e o incessante aprimoramento das complexas operações que asseguram o abastecimento desse produto básico para a população.

Sindigás – Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Gás Liquefeito de Petróleo

O GLOBO

https://acervo.oglobo.globo.com/consulta-ao-acervo/?navegacaoPorData=200020030611

FOLHA SP

https://acervo.folha.com.br/compartilhar.do?numero=15738&anchor=5949921&pd=8d895bd3a403b39327048b3bf5010189

ESTADÃO

https://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/20030611-40048-nac-9-pol-a9-not


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