Fonte: Diário do Nordeste / imagem: Sindigás
Antes do governo de Jair Bolsonaro começar, a perspectiva defendida pelo ministro Paulo Guedes era arrecadar mais de R$ 1 trilhão com a privatização de empresas públicas. Mais de três anos depois, especialistas avaliam que a falta de experiência e conhecimento dos trâmites no setor público, aliado à falta de um planejamento claro para a venda das estatais, fez com que parte das vendas não se concretizasse ou não saísse como o esperado, como no caso da Eletrobras.
De caráter consideravelmente mais liberal, a equipe econômica do governo Bolsonaro contava com uma lista extensa de estatais que deveriam, de acordo com a visão estratégica, ser repassadas à iniciativa privada. A lista incluía desde bancos públicos, como a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil, aos Correios e a Petrobras.
Veja algumas das empresas que estavam no plano de privatização: Privatizadas:
Eletrobras
Tag (Transportadora Associada de Gás)
BR Distribuidora
Liquigás
Ações do IRB (Instituto de Resseguros do Brasil)
Neoenergia
Codesa
Planos não concretizados:
Porto de Santos
Correios
Nuclep
ABGF
Ceasaminas
Telebrás
Dataprev
Serpro
Codeba
EBC
Experiência no setor público
De acordo com o economista e conselheiro do Conselho Regional de Economia no Ceará (Corecon-CE), Ricardo Coimbra, os membros da equipe econômica tiveram “dificuldade de entender os processos e trâmites legais” relacionados à privatização de estatais. O cenário pode ser interpretado como reflexo da falta de experiência prévia em no setor público.
Esse cenário, segundo Coimbra, fez com que as projeções de retornos financeiros aos cofres federais tenham ficado abaixo do esperado antes do início do mandato, em 2019.
“O ministro Paulo Guedes apresentava números de que os processos de privatizações iriam gerar um volume significativo de recursos para termos um equilíbrio fiscal no País. E nesses 3 anos e meio do Governo ele e a equipe tiveram dificuldade de entender esses processos e trâmites legais, e até as empresas com as quais eles fizeram alguma coisa, como a Eletrobras, percorreram um trâmite longo e não geraram um resultado ou projeção tão eficiente”, afirmou o economista.
O conselheiro do Corecon ainda destacou que pode ter faltado entendimento conjuntural e estratégico nas decisões de que planos seguir, o que pode ter gerado resistências em processos de privatização.
“Isso se deve, talvez à pouca experiência no setor público de membros da equipe econômica sobre leis e trâmites desses processos, e muitas vezes em entender a necessidade da participação do Estado em alguns setores de atividade, como quando pensamos em ampliar a venda da participação na Petrobras”, disse.
Impasses estratégicos
Vender uma estatal como a Petrobras, por exemplo, que ocupa um papel de destaque na exploração de combustíveis fósseis, ou a Eletrobras, empresa ligada ao controle energético do País, pode gerar amplos impasses na sociedade e nas esferas políticas por onde o projeto tramitar.
Para enfrentar essa resistência, o governo acabou desmembrando alguns projetos de privatização, repassando ativos de forma separada, como no caso da Petrobras e Lubnor (Refinaria Lubrificantes e Derivados do Nordeste), em Fortaleza. Ainda assim, o processo de venda do complexo vem encontrando barreiras, como a negociação do terreno onde está implantado, que pertence, em parte, à Prefeitura de Fortaleza.
Tivemos dificuldades com algumas empresas, em que ativos foram vendidos e não necessariamente tivemos o processo completo de privatização, como é o caso da Petrobras, em que temos a venda da Lubnor, e a refinaria em Suape. Então temos tentativas de desmembrar o processo de privatização de empresas como uma estratégia do Governo”
Ricardo Coimbra
Economista e conselheiro do Corecon-CE
“Mas o certo seria entender a potencialidade de lucratividade ou necessidade de participação em setores estratégicos pelo Estado. E pelo fato do Governo não saber ou entender o real interesse do próprio governo nesses setores, esses processos não aconteceram de maneira efetiva”, completou.
Articulação com o Congresso
Já para o professor Emerson Luís Lemos Marinho, do departamento de Economia Aplicada da Universidade Federal do Ceará (UFC), os planos de privatização do governo Bolsonaro não se concretizaram porque houve muita resistência ou falta de diálogo com os membros do Congresso Nacional, deputados e senadores.
“Eu acho que o Governo Bolsonaro tentou e fez um esforço muito grande para privatizar algumas empresas estatais. O governo Bolsonaro tentou fazer mais coisas do que foi feito, mas o Congresso não deixou que isso avançasse”, disse.
Segundo o doutor em economia pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), ainda haveria uma resistência cultural no País relacionado à venda de estatais
“No Brasil, quando se fala em privatizar, é uma loucura, assim como se fala sobre a venda Petrobras, até porque a gasolina está cara e ainda assim dizem que o petróleo é nosso, mas nada é feito. O governo tem de se preocupar com saúde, educação, e segurança, que são itens básicos. Fora isso, tem de deixar o setor privado se desenvolver, acompanhados pelos órgãos reguladores para evitar monopólio”, disse.
Legenda: Ainda sob o controle majoritário do Governo Federal, a Petrobras tem negociado vários ativos com a iniciativa privadas nos últimos meses
Processo demorado
Para o mestre em economia e conselheiro do Corecon-CE, Eldair Melo, o tempo necessário para se concluir um processo de privatização também pode ser apontado como um obstáculo para a venda de estatais durante o governo Bolsonaro. Ele apontou que são necessários, em média 18 meses, para se atravessar todos os trâmites legais.
“O processo começa com a contratação do BNDES pelo Programa de Parceria de Investimento do Ministério da Economia, o ministro então encaminha o pedido à secretaria para se iniciar o estudo. Depois temos o envio de uma lei ao Congresso e o TCU analisa a proposta para evitar questionamentos na Justiça. Após isso é que temos o lançamento do edital para venda”, disse Melo.
Então o processo é muito longo. E o que faltou ao governo Bolsonaro foi ter um plano para que as empresas que eles queriam privatizar tivessem o processo em andamento. Não existiu em nenhum momento um planejamento para isso”
Mestre em economia e conselheiro do Corecon-CE
Eldair Melo
Bloqueio eleitoral
Apesar de apontar pontos diferentes sobre os entraves relacionados às privatizações nos últimos anos, todos os especialistas concordaram que a possibilidade de novos projetos avançarem nos próximos meses até o fim de 2022 é muito baixa. Com a chegada do período eleitoral que pode definir um novo presidente para o País, as discussões políticas deverão ser adiadas.
A nova agenda de privatizações deverá ser discutida apenas em 2023, o que pode trazer visões completamente distintas do plano atual. Os pré-candidatos Lula da Silva (PT) e Ciro Gomes (PDT), por exemplo, já disseram, em momentos distintos, que deverão rever as condições da venda da Eletrobras, não descartando uma reestatização.
“Provavelmente, esse assunto só deverá ser rediscutido após 2023, com prováveis reestruturações dessas políticas, ou não, das privatizações, já que algumas empresas podem não ter vendas interessantes para o Governo. Mas isso só deve ficar claro após a definição do próximo mandato”, disse Ricardo Coimbra.