Fonte: A Crítica / imagem: Michael Jesus/Câmara dos Deputados

O adiamento da votação, na Câmara, do Projeto de Emenda à Constituição (PEC 1/2022), conhecida como PEC Kamikaze, não reduziu as preocupações com as consequências econômicas da matéria. A quebra da “regra de ouro” das finanças públicas, a três meses das eleições, na avaliação de economistas, empurrará uma bomba fiscal para quem comandar o país a partir do ano que vem. A PEC, que já foi aprovada no Senado, com votos de governistas e da oposição, deve ser votada na Câmara de Deputados na próxima terça-feira (12).

O texto prevê a destinação de R$ 41,2 bilhões para a criação de diversos auxílios e institui ainda um estado de emergência, permitindo que o presidente Jair Bolsonaro (PL) fure o teto de gastos sem incidir em problemas com a Justiça Eleitoral.

Na avaliação do economista e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Mauro Rochlin, o principal impasse do país é o descontrole fiscal e a continuidade dos gastos do governo, sem um planejamento a longo prazo. O que pode ser agravado com a aprovação da PEC. Os efeitos para o futuro, segundo ele, podem ser “muito ruins”, e são indicados, principalmente, por um aumento maior da inflação.

Essa subida, no entanto, não deve ser sentida agora e quem vai pagar a conta de tamanho descontrole nas contas da União será o vencedor das eleições quer seja o presidente Jair Bolsonaro ou não. Na análise do professor, o próximo governo além de não poder gastar, não poderá também adotar políticas para acelerar o crescimento do país, o que deve refletir, por exemplo, no desemprego.

Para o economista, o Congresso não tem agido diante das posturas “menos responsáveis” dos governos na condução da política econômica, embora tenha consciência da necessidade de que a União reduza o déficit nos gastos públicos.

Insegurança

O descontrole das contas públicas aumenta a insegurança do mercado que se volta aos investimentos com retornos mais previsíveis, normalmente, arrastando o dólar para cima como vem ocorrendo nos últimos dias em que a moeda norte-americana voltou ao patamar de R$ 5,40.

“No final você tem a inflação mais alta não na semana que vem, não no mês que vem, não nos próximos dois meses, mas você está contratando pro próximo ano uma inflação mais alta. É uma bomba que vai se traduzir em maior pressão inflacionária de um lado, e menor recurso do governo de outro lado. O próximo governo vai assumir com o risco de enfrentar esse problema [déficit] de forma muito mais aguda”, alerta o economista.

O quadro, segundo Mauro, deve ficar ainda mais turbulênto com a chegada do período eleitoral.

E para o também economista e professor universitário, Mourão Júnior, a conjuntura econômica resultada da guerra na Ucrânia, o valor dos combustíveis pressionados pelo confronto e a paridade dos preços praticados no Brasil, em conjunto com a aprovação do PEC Kamikaze pode frear o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro que no ano passado recuperou 4,7%.

Agravamento

“Infelizmente vai piorar a questão da instabilidade, provavelmente vamos ter um segundo semestre com juros em dois dígitos, inflação alta e dólar disparado. Essa é a perspectiva. Também teremos um PIB fraco com no máximo 1 a 1,5 [de crescimento] positivo. É um aspecto econômico preocupantes comparado também tanto pelas questões externas quanto internas”, declarou.

O aumento da inflação e a redução do crescimento do país também são indicados na análise do economista, Inaldo Seixas. Conforme diagnóstico descrito por ele, o problema da inflação não se atém apenas ao Brasil, mas pode ser encontrado tanto nas economias latino-americanas, quanto nos países europeus.

Prova disso, foi a redução pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), da estimativa de crescimento da economia global de 4,4% para 3,6%, em abril, e o indicativo de queda ainda maior no próximo boletim, com risco de recessão global, segundo declaração da diretora-gerente, Kristalina Georgieva.

O Brasil, segundo Inaldo Seixas, vinha de uma situação muito ruim – por reflexo da pandemia – então não tinha como ficar pior. Agora, o problema mundial, claro, reflete na economia do país, que embora esteja acompanhando o mundo na adoção de medidas contracionistas, ou seja, aumentando a taxa de juros para controlar a inflação, não tem obtido expectativas animadoras para um segundo semestre.

Eleitoreira

A abertura dos cofres de maneira “irresponsável” e “puramente eleitoral”, no entanto, deve piorar os reflexos na economia no próximo ano.

“Existe também uma expectativa de recessão na economia brasileira ou crescimento baixo. Vai depender do desempenho do segundo semestre. A nossa economia está atrelada à economia mundial. A economia mundial aponta sinais de desaceleração e possibilidade de recessão”, declarou Inaldo.

Crise mundial

Para o economista Altamir Cordeiro, as consequências da pandemia na economia ainda estão causando sérios problemas na oferta de insumos e produtos na produção industrial e no comércio internacional. Ele lembra que prolongamento da guerra da Rússia X Ucrânia, aumentou ainda mais os custos de certos produtos e no fornecimento de combustíveis, fertilizantes entre outras consequências.

“Os Bancos Centrais dos paises, tiveram que fazer um aperto monetário, aumentando as taxas de juros na tentativa de conter a inflação galopante que se espalhou no mundo todo. O Brasil foi um dos primeiros países a mudar sua política de juros baixos, e possivelmente, tem melhor condições de enfrentar uma possível recessão global. Mas não quer dizer que não iremos sofrer consequências”, explicou.

Altamir ressalta que, com uma crise mundial, o comércio internacional causa baixa nas exportações e consequentemente, teremos problemas internos. “O calendário eleitoral, também impacta na economia, devido os investidores ficarem aguardando o que poderá ocorrer depois de outubro de 2022. O teto de gasto fiscal do governo é uma regra de ouro para evitar que o governo gaste mais do que arrecada”.

Necessidade

É inegável, segundo os economistas, a necessidade da criação de uma rede de assistência à população mais pobre, no entanto, o que preocupa, segundo Mauro Rochlin, é a maneira adotada pelo governo para a criação dos auxílios foi “muito mais em função dos seus efeitos eleitorais, do que propriamente por conta dos seus efeitos econômicos”.

Para ele, há equívocos na implementação da PEC. Em primeiro lugar, por ser um programa emergencial pouco antes das eleições, e por conta da pressa, os critérios para a distribuição do Auxílio Brasil para 18 milhões de famílias, segundo ele, são pouco claros e não consideram as especificidades de cada grupo familiar.

“Seria importantíssimo que o cadastro que existe seja respeitado de modo que as famílias ganhassem proporcionalmente ao número de membros. Se não for assim, isso significa dizer que a concessão do auxílio representa uma desigualdade, na medida em que as famílias, independente do número de membros vão ganhar o mesmo valor. Nesse sentido a distribuição de recursos está sendo desigual”, esclarece Rochlin.

Inaldo Seixas vê o mesmo problema. Para ele, o governo não planejou desde o início do mandato soluções para questões sociais que se agravaram com a pandemia, e agora tenta correr atrás do prejuízo investindo o dinheiro público “de forma pouco sábia” sem apresentar soluções para gerar um crescimento sustentável para o país.

“Estamos entrando em um período eleitoral e tudo o que o governo não fez e não planificou desde o início está querendo fazer agora de forma pouco sabia, sem realmente usar o dinheiro público para investir onde deveria investir, em educação e ciência que são fatores que poderiam gerar crescimento sustentável da economia, ou ter políticas claras de combate à pobreza para fomento da indústria e reindustrialização”, concluiu.

Benefícios

Se aprovada sem alterações, os R$ 41,25 milhões da PEC Kamikase, serão direcionados R$ 26 bilhões para o Auxílio Brasil, para aumentar, até dezembro a parcela de R$ 400 para R$ 600. Para criar o Pix-Caminhoneiro serão necessário R$ 5,4 bilhões neste mesmo período com a concessão de R$ 1 mil aos caminheiros autônomos que totalizam 872.320 profissionais, segundo a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

Os taxistas, por sua vez, receberão R$ 200 mensais de auxílio, limitado a R$ 2 bilhões. O texto também prevê a compensações pela gratuidade a idosos no transporte público repassada aos municípios e às empresas de transporte urbano no montante de R$ 2,5 bilhões; e ainda aos estados que reduzirem os impostos sobre o etanol, repassando R$ 3,8 bilhões para essa finalidade.

A ampliação do vale-gás também é uma das medidas indicadas pelo governo federal que deve direcionar cerca de R$ 1 bilhão até dezembro às famílias de baixa renda afim de subsidiar, a cada 2 meses, o pagamento de 50% do valor do botijão de gás.

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