Por Diego Alves, Diretor Executivo da AIGLP
É constante no setor de Gás LP a retórica sobre a criação de um novo sistema que permite ao consumidor comprar a quantidade de gás de que precisa, sem o vaivém de botijões. É também inacreditável o fato de ninguém se perguntar qual seria o nível de satisfação do consumidor com o sistema atual, que, se fosse baixo, poderia motivar essa mudança. Mas as pesquisas mostram índices de satisfação muito elevados, superando outros serviços como bancos, televisão a cabo, telefonia, água, eletricidade, entre outros. Levantamentos do Procon também mostram que o serviço de fornecimento de Gás LP e o produto propriamente passam longe da lista de queixas do consumidor.
O processo de engarrafamento industrializado tem uma razão de ser. O Gás Liquefeito de Petróleo deve ser tratado como um produto perigoso em seu processo de engarrafamento. São centenas de milhares de cilindros engarrafados diariamente que precisam de procedimentos controlados, em área preparada para tal, distante do local de armazenamento, carga e descarga de caminhões a granel, entre outros cuidados. No Brasil, temos um conjunto de normas técnicas com critérios de segurança para regular esse processo, e nenhuma estação remota pode cumprir o mínimo das exigências contidas nas normas.
A despeito de todas as regras de segurança, é recorrente nos depararmos com empresas que propõem uma solução para enchimento remoto de cilindros – seja com o deslocamento do consumidor, que leva seu cilindro para encher em um posto, ou com a circulação de veículos de gás, que andariam pelas ruas para encher cilindros. Os vendedores dessas ideias comparam esses engarrafamentos com o enchimento de cilindros estacionários ou cilindros fabricados para serem recarregados no próprio local em que estão instalados, ou ainda, com os cilindros usados em empilhadeiras, que, na verdade, nada mais são que tanques de combustíveis de veículos rodantes.
O preocupante é que, ao propagar essas ideias, não são explicadas as diferenças na construção, instalação e uso dos cilindros recarregáveis. No Brasil, por exemplo, existem mais de 110 milhões de botijões de 13 kg que não estão preparados para enchimento remoto. Eles foram desenvolvidos para serem enchidos em bases de engarrafamento com ambiente controlado. É temerário imaginar o que pode acontecer. Mesmo assim os “vendedores” de soluções revolucionárias visitam os gabinetes para apresentar essas propostas, tentando influenciar o poder público a permitir a adoção desse novo processo, que despreza os riscos envolvidos com a segurança da operação.
Em alguns países essa moda pegou. Em 2011, a Nigéria alardeava na imprensa que começava a instalar estações de enchimento de cilindro, enchimento total ou parcial, ao gosto do freguês. Em reportagens da época, o diretor executivo da empresa de gás faz elogios à rapidez com que se enche um cilindro de gás e ao fato de ser possível abastecer quaisquer tipos de cilindros.
Estas declarações dissociadas da realidade e afastadas das normas técnicas soam como excelentes alternativas, mas quem garante a manutenção das embalagens, quem garante as distâncias adequadas entre pontos de operação, quem garante a distância de pontos de ignição, veículos e consumidores nas filas para encher seus cilindros? A resposta é clara: ninguém!
Neste último Natal, um acidente de proporções gigantescas, na Nigéria, resultou em 100 mortos em uma destas estações de recarga total ou parcial de cilindros. Pessoas na fila esperando para encher ou recarregar seus vasilhames foram carbonizadas em um acidente que poderia e deveria ser evitado.
E, no Brasil, será que o sistema atual é imune a acidentes? Não, não existe sistema imune a acidentes. Erros podem ocorrer e processos devem ser aprimorados de maneira continuada, mas os acidentes estão restritos a áreas industriais, distantes de áreas urbanas e de pessoas despreparadas para lidar com emergências. O sistema atual conta com plano de combate a incêndio, rigorosos padrões de segurança e de manutenção de cilindros e brigadas de incêndio. Nada disso é feito no meio da rua ou em estações onde as pessoas fazem fila para recarregar seus cilindros.
Comparar a recarga de empilhadeiras ou mesmo dos tanques e cilindros fabricados para esta operação não faz sentido, pois estão desprezando as normas existentes para estas operações.
Estamos seguros de que as práticas hoje adotadas podem ser aprimoradas de forma continuada, mas que o sistema existente de responsabilidade pela marca das embalagens, e da recarga em áreas industriais, é o que de melhor pode existir para a sociedade. Por que não se aplica isto na Nigéria? Pela simples razão de que na Nigéria a legislação considera que cada qual é dono de seu cilindro e pode recarregar o botijão de gás da forma que preferir, sem o rigor das normas brasileiras, chilenas, uruguaias, peruanas, espanholas, portuguesas e de uma centena de outros locais onde somente a empresa detentora dos direitos sobre uso da marca estampada “em alto relevo” nos cilindros pode recarregá-los, e que o recarregamento de cilindros preparados para este fim somente ocorre em locais dotados de segurança e cumpridores de normas para esta operação.
Não precisamos de mais acidentes como esse para provar que o sistema de recarga à distância é uma solução perigosa para a sociedade.
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