Por Sergio Bandeira de Mello
Presidente do Sindigás
Todos os dias estamos nos deparando com riscos que devemos ou não devemos assumir. Por instinto somos impulsionados a assumir risco zero, ficar na zona de absoluto conforto; e digo mais, se isso for possível e viável, é o mais recomendável. A verdade, entretanto, é que, mesmo em relação aos riscos que impactam diretamente nossa vida, somos obrigados a avaliar e tomar decisões, com base nos nossos parâmetros instintivos do que é o “aceitável” e o “inaceitável”.
Assumir riscos dentro do “aceitável” não significa irresponsabilidade, menos ainda permissividade em relação a qualquer tipo de bandalha. O “aceitável” é, grosso modo, um nível de tolerância aos riscos, considerados os custos e os benefícios de se aceitar ou não um determinado nível de risco. O exemplo que conheço de risco, mais claro e objetivo, e ao mesmo tempo duro, é o da aviação. Existe perigo em voar em uma aeronave? Claro que sim, o perigo é um dos maiores que existem. Dificilmente salvam-se vidas em um acidente aéreo. Havendo perigo, há sempre um nível de risco associado. Esse risco está associado às ações humanas, no ar e em terra, à infraestrutura terrestre, às peças da própria aeronave (alguns milhões de peças) que podem sofrer desgastes ou falhas de outras naturezas. Não obstante esse enorme perigo, a humanidade continua fazendo uso em larga escala da aviação. Voamos continuamente, mesmo sabendo que, em caso de fatalidade, as consequências serão devastadoras, quase sempre a morte de todos.
Por isso somos irresponsáveis ou negligentes com nossas vidas? Não. Simplesmente somos razoáveis e tentamos mitigar os erros, aperfeiçoar processos e controles de qualidade, até o ponto em que consideramos os riscos aceitáveis. Mesmo assim, por mais aceitáveis que esses riscos sejam, eles permanecem presentes.
Falo deste tema porque a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) organizou uma audiência pública para tratar de uma proposta normativa visando adotar tolerâncias amostrais sobre lotes de botijões a serem inspecionados nas distribuidoras, criando faixas de erros permissíveis; faixas estas que naturalmente flutuam de acordo com os tamanhos dos lotes analisados. Desnecessário discorrer sobre estatísticas em minúcias, assunto para os técnicos. Entretanto, para compreender os conceitos de tolerâncias amostrais, é preciso entender que, se falamos em 500.000 indivíduos e assumimos um erro de 1%, para um lote amostral de 100 indivíduos representativos dos 500.000, o quantitativo de 3 indivíduos não conformes manteria a população de 500.000 dentro do limite de 1% de erro. Assim, não é correto o que alguns afirmam, seja por leviandade ou por falta de conhecimento: que aumenta-se a tolerância para 3% de toda a população.
A ANP demonstrou grande coragem e entendimento pleno dessa situação ao colocar na consulta pública essa hipótese de tolerância, pois o mais cômodo, porém irracional, é a adoção do impossível nível de erro zero. Digo que isso é irracional porque não vivemos em um mundo de níveis de erro zero. Existem erros em praticamente todos os processos humanos. Não estou a defender que as empresas não devam ser punidas por seus erros, mas as punições devem obedecer a um nível mínimo de tolerância aos erros que não decorrem de intenções, mas de falhas processuais inerentes à ação humana. A ANP teve coragem de colocar isso sob consulta. Outras agências, como as de saúde pública, seja para medicamentos ou alimentos, aceitam faixas de erro, e isso deve ser considerado algo como parte do mundo de grande escala.
Nessa audiência pública realizada na ANP, compareceram representantes de grupos de interesse exigindo erro zero, tolerância zero. Essas exigências são feitas sob a alegação de incapacidade de verificação dos recipientes nos PRGLP’s (Postos Revendedores de GLP). Essa postura encerra uma contradição em si mesma, pois, se esses grupos de interesse afirmam a impossibilidade de verificar erros nos agentes econômicos da revenda, não tem lógica a afirmação de que nas distribuidoras o erro deveria ser zero. Se não é possível assegurar erro zero na revenda, por que seria possível assegurar esse índice nas distribuidoras de Gás LP?
O Sindigás, por diversas vezes, manifestou-se no sentido de que as não conformidades das embalagens do Gás LP são de responsabilidade das empresas distribuidoras. Mas sempre afirmamos também que existe uma verificação final que deve ser feita no momento da entrega ao consumidor. Assim, seja pela própria distribuidora ou pelo revendedor, deve-se fazer uma checagem antes de entregar o produto. Esta não nos parece uma tarefa difícil, tampouco algo de que, quem comercializa um produto dessa natureza, possa se escusar. Dessa forma, a tolerância proposta pela ANP, em nossa visão, deve ser aceita até o exato momento da entrega do produto, não somente no pátio das distribuidoras. Nas inspeções feitas nas revendas deveria ser aplicada uma tolerância amostral também.
Nessa audiência pública aconteceram debates sobre a pretensa impropriedade da aplicação da corresponsabilidade (revenda e distribuidora). Mas essa é uma previsão do Código de Defesa do Consumidor da qual não se pode fugir.
Esperamos que a ANP siga sua corajosa trilha de manter um debate aberto sobre a faixa de tolerância amostral, mediante a qual as empresas sejam notificadas acerca da rejeição do produto encontrado não conforme dentro da faixa de tolerância, mas não necessariamente sejam autuadas e punidas.
Conforta-nos ver que todo este debate transcorre no momento exato em que as empresas distribuidoras de Gás LP atingem os maiores recordes de requalificação de todos os tempos. O setor chegou a 1,5 milhão de requalificações, de botijões de 13 kg, por mês. Mais que o dobro do que era requalificado no mesmo período no ano de 2007.
O setor de Gás LP está se tornando melhor para todos. É preciso coragem, seriedade e o máximo de tecnicismo para criar as condições adequadas para que assim continue. Por mais que saibamos que é uma utopia, miramos a perfeição. As associadas ao Sindigás estão comprometidas com isso, dia a dia, sem intervalo.
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