Fonte: Jota info / imagem: Pexel

A origem dos critérios ESG (boas práticas ambientais, sociais e de governança) está bem demarcada como sendo 2004, quando aconteceu uma reunião entre o então secretário-geral da ONU, Kofi Annan, e CEOs de instituições financeiras visando integrar propostas de sustentabilidade ao mercado financeiro. Resultou na publicação emblemática “Who Cares Win” (Ganha quem se importa), uma parceria do Pacto Global das Nações Unidas, Banco Mundial e instituições financeiras.

Também é consensual que os abalos impostos à vida das pessoas e à economia mundial durante a pandemia da Covid-19 ajudou a impulsionar o ESG, sendo que as pessoas se deram conta da finitude da vida, dos recursos do planeta e da importância de fomentar a sustentabilidade em todos os setores da economia. A crise sanitária impulsionou a resiliência dos fundos de investimento ESG, que cresceram exponencialmente no mercado de capitais, defendendo metas de bem-estar para todos.

Os critérios ESG guardam similaridade com um episódio atribuído à antropóloga Margaret Mead, uma mulher revolucionária para seu tempo, recuperado por uma publicação da Forbes[1]. Um aluno teria perguntado a ela qual seria o primeiro sinal de civilização de uma cultura. A resposta esperada seria um artefato para cozinhar, caçar ou de adoração, mas a resposta da antropóloga foi surpreendente: um fêmur fraturado e tratado de 15 mil anos. O maior osso do corpo humano demora para ser curado e, há milênios, se quebrado, equivaleria a uma sentença de morte se acidentado, porque não haveria como se proteger, caçar, procurar água com uma fratura dessa proporção. Portanto, o osso curado se traduz pelo cuidado de alguém que proveu à pessoa ferida alimentos, abrigo e tratamento, que salvou sua vida, quem sabe com o risco da própria. Isso é se importar, isso é ser capaz de ter compaixão, isso é marco civilizatório.

Esse olhar para o outro e suas demandas está no cerne do ESG, porque envolve a sustentabilidade ambiental do planeta, os direitos humanos, a gestão ética e transparente, a economia circular, a diversidade e inclusão, os salários justos, a segurança de dados, a equidade de gênero etc. Porém, a visão renovada e a qualidade de vida estão ligadas a processos sustentáveis, sem qualquer interface com a filantropia, nem com a ideologia. Enquanto país, o Brasil tem muitas fraturas expostas, que não foram contempladas pelos programas de governo dos candidatos à Presidência da República nesta eleição, mas quiçá sejam vistas com preocupação por suas administrações.

Mesmo que ainda não exista um banco de dados nacional sobre políticas efetivas em governos nacionais, estaduais e municipais, algumas tendências emergentes estão se tornando aparentes para promover ESG em seus portfólios e operações, principalmente em outros países. Por exemplo, um número já crescente de cidades administram suas aposentadorias públicas com viés ESG, caso das cidades americanas de Boston, Chicago, Nova York e Seattle entre as grandes que estão promovendo práticas de investimento sustentável em fundos de pensão públicos. Chicago, ainda, desenvolveu um modelo para investimentos ESG alinhados aos interesses sociais dos moradores da cidade. Isso foi adotado como a política oficial de investimentos do município, com linguagem específica sobre “fatores sustentáveis” na tomada de decisões.

A Liga Nacional de Cidades também está relatando as tendências em programas e políticas de “sustentabilidade e resiliência” que estão sendo adotados nas cidades pelo mundo. A abordagem à sustentabilidade abrange uma gama de ações, desde estações de carregamento de veículos elétricos até gerenciamento de resíduos e resiliência climática. Os exemplos e estudos conseguem fornecer casos de melhores práticas para todos os governos considerarem ao promover o interesse público em suas políticas e programas.

Para avaliar se no Brasil o ESG tem peso eleitoral, vale fazer um paralelo com as últimas campanhas eleitorais dos Estados Unidos e França, dois países que disputam a liderança climática mundial. Na campanha à reeleição deste ano, o presidente francês, Emmanuel Macron, explicitou o compromisso: prometeu colocar o meio ambiente como tema central de seu futuro governo, ser a primeira grande nação a abandonar os combustíveis fósseis (petróleo, carvão e gás natural), acelerar a política efetiva de descarbonização da economia, criar leasing para carros elétricos, isolar 700 mil casas, investir em tecnologias renováveis, trabalhar pela qualidade da água, ar e alimentos e banir os plásticos descartáveis até 2040. Além dessas bandeiras pontuais, o governo francês obriga as empresas a divulgarem relatórios ESG mais rígidos que os demais países-membros da União Europeia, sendo que os relatórios são auditados por terceiros.

Na campanha presidencial americana de 2020, que elegeu Joe Biden, a questão da sustentabilidade já se colocava à medida que seu principal opositor e antecessor, Donald Trump, retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris, era um negacionista ambiental, reverteu mais de 100 regulamentos voltados ao meio ambiente, conteve os investimentos ESG dos gestores de fundos de pensão e incentivava a expansão dos combustíveis fósseis.

Em contraponto natural ao seu adversário, a campanha do democrata se comprometeu com um Green New Deal e não aceitou contribuições de empresas ou executivos de petróleo, gás e carvão. O material eleitoral destacou o tamanho do desafio e a necessidade de um plano ousado – uma revolução de energia limpa, além da volta dos EUA à liderança mundial no enfrentamento da emergência climática. O plano de campanha tinha cinco pontos – os EUA serão zero carbono em 2050, terão uma matriz energética de energia limpa de 10%, investimento em uma infraestrutura verde para suportar as mudanças climáticas, enfrentamento dos poluidores e o compromisso de não deixar nenhum trabalhador ou comunidade para trás.[2]

As promessas evoluíram e a Harvard Law School monitorou cinco temas presentes no início do governo Biden com interfaces ESG: padrões internacionais para divulgação do ESG, regulamentos climáticos mais definidos, mudança nos cenários de diferente setores, valorização dos critério ESG na decisão de investidores e regras ESG do Departamento de Trabalho dos EUA (DOL). E conclui que os investidores podem esperar uma proximidade entre ESG e rentabilidade de externalidades sociais no governo Biden.[3]

Mas e os presidenciáveis brasileiros, se preocuparam com essa pauta, ainda considerada pouco ortodoxa, em um país que possui necessidades essenciais, como a fome que atinge 33 milhões de pessoas, desemprego, saúde precária, má qualidade de ensino, falta de moradia, desigualdade de renda, discriminação etc.? No levantamento dos programas de governo dos candidatos realizado pela Rádio Câmara, o pilar “E” (ambiental) ganhou proeminência, mas de forma genérica.[4] Na fase pré-eleitoral, vale lembrar que o Brasil declinou do convite para sediar a Conferência do Clima de 2019 (COP 25) e enfrentou polêmicas sobre dados relativos ao desmatamento – entre outras questões –, o que levou o país a perder protagonismo no debate climático internacional, onde sempre foi um player. O Brasil comprometeu sua ousadia – como a forjada na COP 15, em Copenhague (Dinamarca) em 2009 –, quando anunciou seu compromisso voluntário de reduzir as emissões de GEE entre 36,1% e 38,9% até 2000, proposta que foi incorporada ao art.12 da Lei da Política Nacional de Mudança do Clima.

A eleição vai passando, mas o Acordo de Paris continua a problematizar as questões do ESG, que precisam ser incorporadas às políticas públicas do país. Os políticos brasileiros, com exceções, ainda não percorreram a curva de aprendizado do ESG (quantificação do processo de aprendizado em relação ao tempo), tema com o qual não estão familiarizados. Talvez atravessem o portal do entendimento quando forem governo, sendo que o ritmo é importante: se for muito devagar, perde-se o trem da história. Além do pilar ambiental, a esfera política terá de fortalecer os pilares social e de governança para minimizar as mazelas nacionais.

Um caminho para os países atingirem o ESG mais rapidamente pode passar pela adoção da Justiça Climática, prática prevista no Acordo de Paris, sendo um conceito novo e ainda distante da agenda política brasileira. A Justiça Climática deve ser reconhecida como “um problema social e político, bem como ambiental (…) e que as comunidades sentem os efeitos da crise climática de forma diferente, sendo que a responsabilidade pela crise recai sobre alguns países e empresas mais do que outros”.[5] Os países industrializados têm uma responsabilidade histórica com a crise climática, a partir da Revolução Industrial, que acelerou as emissões de gases de efeito estufa (GEE). Os EUA, por exemplo, são 4% da população mundial, mas emitem mais de 20% dos gases de efeito estufa do mundo.

O fêmur da humanidade continua exposto à espera de alguém que se importe. Um exemplo bem consistente de injustiça climática foi registrado pela EPA (Agência Ambiental Americana) em Houston (Texas), na década de 1980, onde cinco lixões da cidade, 80% dos incineradores de lixo  e 75% dos aterros de propriedade privada estavam localizados em bairros de população negra, embora ela fosse apenas 25% da população da cidade, trazendo todo tipo de danos ambientais e de saúde para a população preta. Esse é considerado também um dos primeiros casos de racismo ambiental registrado. A EPA tem igualmente uma política de Justiça Climática voltada a dar suporte a outros grupos minoritários, como os indígenas.

Pela trilha da Justiça Climática, há muitos exemplos atuais vinculados à negligência histórica e social. É o caso da falta de saneamento básico, da qual os brasileiros mais pobres padecem. Dois anos depois da sanção do Marco Legal do Saneamento no Brasil (Lei 14.026/2020), nada de muito relevante ainda aconteceu para mudar esse cenário e a “fratura” continua exposta. O país segue registrando quase 35 milhões de pessoas sem água tratada e 100 milhões sem acesso à coleta de esgoto, o que leva à morte por diarreia, disenteria e doença de Chagas cerca de 11 mil pessoas/ano, segundo o IBGE.

A crise climática somente não tem impacto para os mais ricos, que possuem recursos para enfrentar a falta de água, insegurança alimentar, desabrigo, calor intenso, questões de saúde, tempestades, falta de fornecimento de energia e de comunicação etc. Para atingirmos uma Justiça Climática e um país mais compromissado com os valores ESG, é fundamental que a classe dos novos governantes (eleitos ou em disputa no 2º turno) aproxime o discurso político da prática, vencendo a contradição contida em uma das frases mais famosas e provocativas de Margareth Mead: “O que as pessoas dizem, o que as pessoas fazem e o que elas dizem que fazem; são coisas inteiramente diferentes”.


[1] Disponível em https://www.forbes.com/sites/remyblumenfeld/2020/03/21/how-a-15000-year-old-human-bone-could-help-you-through-the–coronavirus/?sh=36babd5937e9

[2] Disponível em https://joebiden.com/climate-plan/

[3] Disponível em https://corpgov.law.harvard.edu/2021/02/19/esg-and-the-biden-presidency/

[4] Disponível em https://www.camara.leg.br/radio/programas/906210-propostas-ambientais-dos-presidenciaveis/

[5] Disponível em https://takeclimateaction.uk/resources/what-climate-justice

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