Fonte: Sindigás
O economista Aldren Vernersbach, que defendeu sua dissertação de mestrado na UFRJ com o tema “O mercado de Gás Liquefeito de Petróleo em uma perspectiva analítica agregada: regulação, concorrência e segurança do suprimento energético”, nesta entrevista ao Sindigás, conta o que motivou seu interesse pelo setor. Vernersbach falou, ainda, sobre concentração de mercado, comum também em outros países, devido à natureza da atividade; a importância da redução do custo e do ganho de escala na formação do preço; venda fracionada de GLP; fim da marca e outros temas. Confira a seguir:
1. De que forma nasce o interesse em desenvolver sua dissertação de mestrado sobre o setor de GLP? O que te chamou atenção neste setor?
Quando iniciei o meu mestrado no Instituto de Economia da UFRJ, decidi que concentraria parte dos estudos na dinâmica econômica do setor energético, por isso busquei participar do Grupo de Economia da Energia (GEE). Quando iniciamos o desenvolvimento de pesquisas sobre o mercado de combustíveis no Brasil, ficou evidente que o GLP possui uma importância econômico-social muito elevada no país, por ter o seu uso concentrado no segmento residencial. O uso da lenha para cocção, em detrimento do GLP, bem como a desestruturação de políticas para o derivado e um novo cenário que se desenha no suprimento secundário, me levaram a definir o mercado de GLP como objeto de estudo da minha dissertação.
2. Quais são as características que tornam indispensáveis a existência de regulação econômica para o setor de petróleo e, mais especificamente, para o GLP?
A indústria do petróleo e o setor de combustíveis, do qual o mercado de GLP faz parte, possuem características técnico-econômicas que tornam obrigatória a existência de normas para comandar o seu funcionamento. Desse modo, a regulação econômica é o instrumento de disciplina das atividades da cadeia do GLP, permitindo que cada elo se mantenha em funcionamento, os padrões de segurança sejam seguidos, a qualidade do produto seja monitorada e que a competição exista e seja um meio de desenvolver o mercado. Portanto, no caso do GLP, as regras impostas pela regulação sustentam níveis adequados de segurança e qualidade, sendo imprescindível à estabilidade do mercado e ao seu suprimento.
3. Na sua dissertação, você faz críticas à busca pura e simples de aumento do número de competidores. O aumento do número de competidores não gera aumento de competição e bem-estar social?
A ampliação da concorrência não pode ser um objetivo isolado e generalista, sem uma justificativa adequada, uma vez que o padrão de competição derivado da estrutura de mercado é desenhado a partir da formatação e dos atributos técnico-econômicos específicos de cada mercado. Além disso, a depender do setor, existem pressupostos que precisam ser considerados em análises concorrenciais, logo, políticas que procuram criar um padrão de concorrência pulverizada, sem sopesar particularidades, podem desestruturar o mercado e inviabilizar suas atividades. No caso do setor de energia e de um combustível, como, o GLP, é imprescindível ponderar a segurança do suprimento na análise da política concorrencial, bem como as especificidades de organização industrial do mercado, por serem definidores do seu formato. Portanto, tais elementos devem ser inseridos no modelo de análise.
4. A concentração no setor de GLP, no Brasil, é uma característica apenas do mercado nacional ou é comum o setor ter esse nível de concentração?
No Brasil, a estrutura de mercado do segmento de distribuição de GLP é identificada como um oligopólio. Esse formato é resultante das próprias características desse elo da cadeia, que se consubstanciam em exigências de capacidades econômico-financeiras, empresariais e logísticas das companhias para que a atividade seja executada de forma sustentada e eficiente. No caso brasileiro, a dimensão territorial exige ainda mais capacidade das distribuidoras para atender a diversas localidades e manter o sistema de logística reversa e requalificação dos recipientes. Tal nível de concentração é encontrado em outros países, posto que a natureza da atividade exige que as empresas tenham as adequadas capacidades para atuar no setor seguindo padrões de qualidade e segurança.
5. Em oligopólios, qual o papel dos organismos de defesa da concorrência?
Em estruturas de mercado oligopolistas, as companhias exercem pressão umas sobre as outras, o que implica em rivalidade. Contudo, compete a um órgão antitruste (no Brasil, o Cade) o reforço do monitoramento do comportamento das companhias, visando evitar condutas anticompetitivas. Desse modo, essa espécie de instituição contribui para a manutenção da concorrência no mercado. Vale ressaltar que a fiscalização dos agentes econômicos precisa ser baseada na noção de existência de certo grau de competição em oligopólios.
6. Os pontos que você destaca em relação a temas sob análise na revisão regulatória da ANP são: venda de GLP fracionada e fim da marca. Você conclui que no modelo brasileiro isto representaria a ruína de um sistema virtuoso. O que pode destacar como justificativas para essa conclusão?
Em se tratando do enchimento fracionado, a existência de inúmeras bases para esse serviço levaria à redução da segurança operacional. Já a segurança do suprimento seria afetada pelo aumento dos deslocamentos para realizar o enchimento, elevação dos custos e dos riscos, e perda de escalabilidade. Quanto à extinção da marca, essa mudança regulatória representaria a eliminação do próprio elemento que proporciona diferenciação do serviço prestado pelas empresas e, portanto, sustenta a competição no mercado.
7. Seu trabalho cita por diversas vezes a questão da redução de custo e do ganho de escala, que são importantes para a formação de preços com ganhos econômicos para o consumidor final. Por que em relação à concentração das bases de enchimento, esses aspectos citados são otimizados?
As bases de enchimento no Brasil, em geral, são instaladas em zonas industriais, que constituem zonas específicas para inflamáveis, distantes de concentração populacional, o que aumenta a segurança operacional. Além disso, o modelo de grandes bases de envase gera a redução de custos, ao permitir ganhos de economia de escala resultantes do enchimento padronizado e da atração para suas proximidades de atividades associadas, como, empresas de requalificação de vasilhames, fornecedores de materiais e serviços, além de centros de destroca, impactando a acessibilidade econômica do produto.
8. Quanto aos desinvestimentos da Petrobras, a ANP ainda tem dever de casa a fazer? O que destacaria?
Os desinvestimentos da Petrobras no refino promoverão uma reforma patrimonial no setor e exigirão uma reorganização das atividades, uma vez que a estatal operava um sistema eficiente com base num monopólio situacional. Além disso, a concentração da infraestrutura logística para os combustíveis em certas regiões, bem como a não interligação entre as mesmas, promoveu a regionalização do setor no país. Desse modo, no caso do GLP, existe um risco de redução da segurança do suprimento no elo primário em certas áreas, o que afetaria toda a cadeia. Uma das soluções é aperfeiçoar a regulação de uso compartilhado das infraestruturas essenciais e estimular investimentos em terminais aquaviários e malha de dutos, no intuito de atender a demanda, reduzir custos e manter níveis razoáveis de segurança do suprimento.
Aldren Vernersbach é economista, pesquisador e consultor. Mestre pelo Instituto de Economia/UFRJ em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento. Foi fellow researcher da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). É autor de artigos publicados em congressos nacionais e internacionais nas áreas de economia e setor energético. É um dos autores do livro “Mercados de combustíveis e GLP: questões de regulação setorial e de concorrência”.
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