Fonte: Jota / imagem: Pexels

Há um ano, começaram a entrar em vigor as novas normas para rótulos de alimentos no Brasil. A mudança, que incluiu novidades como a adoção de alertas na parte frontal das embalagens e a obrigatoriedade da tabela nutricional em letras pretas com fundo branco, rendeu elogios à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) pelo seu trabalho de análise de impacto regulatório (AIR).

“Não conseguimos emplacar o modelo que a indústria preferia, mas o processo todo foi conduzido pelos técnicos da Anvisa com tanto profissionalismo que, ao final, não tinha mais discussão”, diz Alexandre Novachi, diretor de assuntos regulatórios e científicos da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (ABIA).

Junto com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a Anvisa é uma das agências reguladoras que está mais avançada no uso da análise de impacto regulátorio no Brasil. No caso da mudança de rotulagem, a Anvisa se destacou especialmente pelo amplo diálogo que conseguiu promover com a sociedade. 

“Assim que identificamos o problema, fizemos uma tomada pública de subsídios que teve mais de 30.000 contribuições. Consolidamos esse material e levamos para discussão com representantes da sociedade civil, do setor produtivo e da academia”, diz Tiago Rauber, coordenador de padrões e regulação de alimentos da Anvisa. Ao final do processo, com uma proposta de alteração já consolidada, a Anvisa fez uma consulta pública que teve mais de 80.000 contribuições. Hoje, a agência é convidada a apresentar o caso em palestras e treinamentos para servidores de outros órgãos.

A análise de impacto regulatório é um dos principais instrumentos existentes para melhorar a qualidade regulatória e garantir que as ações adotadas pelos agentes reguladores sejam as mais efetivas possíveis. “Sabemos que o mercado tem falhas e tem que ser regulado, mas o Estado também tem falhas, então a regulação tem que ser justificada. Ao estabelecer a necessidade de uma análise de impacto, colocamos limites”, diz Luciano Timmadvogado sócio do CMT Advogados e professor de direito econômico da FGV-SP.

Muito mais do que comparar as propostas de intervenção para um problema, uma análise de impacto regulatório bem-feita passa por um processo de diagnóstico e uma fase de reflexão sobre se é ou não necessária uma mudança nas regras. Para a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), uma análise de impacto regulatório deve incluir no mínimo as seguintes etapas: definição do problema; objetivo; descrição da proposta regulatória; identificação de alternativas; análise de custo-benefício; identificação da solução preferida; e elaboração de uma estratégia de acompanhamento da regulação. 

Obrigatoriedade da análise de impacto regulatório

O Brasil, em uma tentativa de entrar em consonância com as práticas adotadas por países desenvolvidos, passou a adotar a obrigatoriedade da análise de impacto regulatório para o âmbito federal em 2019, com a Lei 13.874/19 (Liberdade Econômica) e a Lei 13.848/19 (Agências Reguladoras). Em 2020, foi publicado o decreto 10.411, que regulamentou a AIR no país e estabeleceu abril de 2021 como a data para adoção da ferramenta pelo Ministério da Economia, pelas agências reguladoras e pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro). Para os demais órgãos da administração pública federal, a obrigatoriedade da análise de impacto regulatório passou a valer em outubro de 2021. 

Antes das leis e do decreto, em 2007, em uma parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o país começou a difundir a AIR para os órgãos reguladores e, em 2018, o próprio governo federal publicou um guia com diretrizes e orientações para se fazer uma análise de impacto. Na prática, quando entrou em vigor a obrigatoriedade do decreto, havia na administração federal uma disparidade grande de conhecimento sobre o que era uma análise de impacto regulatório.

“Algumas agências estavam experimentando desde 2007, outras desde 2018, mas muitos outros órgãos da administração direta nunca tinham feito uma análise ou capacitado seus gestores”, diz Sabrina Favero, diretora do departamento de política regulatória do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). 

Segundo a diretora, a maior parte das agências reguladoras está avançada, com destaque para Anatel, Anvisa, Aneel e Anac. Já as menores, por conta do orçamento e número de servidores, não estão tão engajadas no uso da ferramenta. Na Esplanada, saem na frente o Ministério da Agricultura e o da Saúde. “Na administração direta ainda temos o problema que poucos órgãos se veem como reguladores, apesar de estarem regulando”, diz Favero. 

Levantamento feito pela Controladoria-Geral da União (CGU) entre 2019 e 2022 constatou que as oito agências reguladoras federais do setor de infraestrutura (Ana, Anac, Anatel, Aneel, Antt, ANTAq, ANM e ANP) já usam AIR. Segundo o secretário federal de controle interno da CGU, Ronald da Silva Balbe, a obrigatoriedade legal acelerou a implementação da ferramenta nessas instituições.

“Verificamos que a implementação da ferramenta ocorreu de maneira gradual, com dificuldades registradas com relação a bases de dados e questões metodológicas nas primeiras experiências com AIR”, disse o secretário. Hoje, a CGU está fazendo uma nova pesquisa com 50 reguladores federais da administração direta e indireta para verificar a situação de uso da ferramenta. O relatório deve ser publicado no primeiro semestre de 2024.

O fato de não haver uma sanção estabelecida caso não seja feita uma análise de impacto regulatório dificulta a implementação da ferramenta, segundo avalia Fernando Meneguin, professor de administração pública do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP). Não só não há uma sanção, como o Decreto 10.411 diz ainda que a não realização da análise de impacto regulatório “não constitui escusa válida para o descumprimento da norma editada e nem acarreta a invalidade” dela. Para o professor, isso leva muitos órgãos a deixar a análise de lado ou a fazerem só para cumprir tabela.

Em uma tentativa de corrigir esse problema, o governo federal decidiu relançar o Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para Gestão em Regulação (PRO-REG). Criado inicialmente em 2007, o programa tinha como objetivo melhorar a qualidade da regulação do governo federal e era gerido por representantes da Casa Civil, Fazenda, Planejamento e Gestão. No lançamento do Novo PAC, em agosto deste ano, o MDIC anunciou o relançamento do PRO-REG como uma de suas medidas institucionais. Segundo Favero, um decreto deve ser editado ainda em outubro para organizar o programa, que vai se responsabilizar pela análise de impacto regularatório na administração federal.

“A experiência pretérita da iniciativa foi boa. Se seguir na mesma linha, tende a ser um instrumento que vai de fato apoiar, reconhecer e gerar uma competição positiva entre as agências reguladoras para melhorar suas práticas”, diz Ricardo Bisinotto Catanant, diretor da Anac. 

Desafios do Brasil

A necessidade de fazer uma análise de impacto regulatório já está difundida, de certa maneira, entre os servidores públicos, segundo estudo de Flavio Saab, pesquisador da Universidade de Brasília (UNB). O principal problema, segundo ele, é a qualidade das análises que são feitas. Autor da tese de doutorado “A Qualidade da Análise de Impacto Regulatório em Agências Reguladoras Federais do Brasil”, Saab diz que o Brasil tem poucos casos de uso rigoroso de métodos quantitativos e qualitativos de comparação de alternativas para resolução de problemas – e isso ocorre mesmo nas agências reguladoras que estão há uma década trabalhando com a ferramenta. 

Essa dificuldade de comparação se dá por variados fatores, na visão do pesquisador. Primeiro, há uma carência de conhecimento técnico para a execução de algumas análises. A falta de padronização do conhecimento também dificulta. O decreto oferece algumas diretrizes e orientações, mas não ensina o servidor a fazer a análise de impacto regulatório. A maior parte das agências investiu em manuais próprios de procedimentos, mas boa parte da administração pública ainda não chegou nesse nível. 

Para Saab, a falta de um órgão superior avaliando a qualidade dos relatórios também contribui para a baixa qualidade das análises. “Todos os países da OCDE adotam a análise de impacto regulatório e todos têm um órgão de supervisão. É importante ter um ator externo fazendo essas ações de morde e assopra, contribuindo com conhecimento e cobrando para que as ações sejam feitas”, diz o pesquisador. A expectativa dele é que o novo PRO-REG consiga cumprir esse papel e ajude a nivelar o conhecimento sobre a análise de impacto regulatório na administração federal.

O contexto político e a urgência de algumas decisões são fatores que também atrapalham a qualidade das análises brasileiras. “Nos Estados Unidos, uma análise de impacto regulatório demora em média 19 meses, por exemplo. Muitas vezes isso é incompatível com a rotina dos reguladores nacionais”, diz Saab. 

Os atores mais engajados em uma análise também influenciam em seu resultado. Em casos em que os acadêmicos estão mais próximos, existe uma prevalência metodológica. Quando são os servidores na linha de frente, costuma haver uma maior observância das normas e procedimentos. Quando são os próprios tomadores de decisão que estão na dianteira do processo, eles tendem a usar a análise de impacto regulatório como uma ferramenta de comunicação e negociação. 

Uma das saídas para evitar esse viés seria investir mais tanto na coleta como na análise de dados. “É fundamental tentar sempre melhorar e fazer com que as decisões sejam tomadas não com base nas vontades, mas nas evidências. Busca por dados melhores sempre vai ser um desafio”, diz Gustavo Freitas, gerente de qualidade normativa da Anac e professor da Escola Nacional de Administração Pública (Enap).

Por fim, a baixa participação social é um dos principais problemas a serem superados pelo Brasil. Segundo Saab, o brasileiro se manifesta em consultas públicas, quando a proposta já está pronta, mas falta engajamento nas etapas inicias e mais propositivas do processo. “Para a sociedade, a principal percepção de valor costuma ser a transparência. Se for um processo transparente já está bom”, diz Saab. A expectativa do pesquisador é que com a criação de um órgão de supervisão, o país consiga criar diretrizes melhores e criar condições de mudança para esse cenário. 

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