Fonte: R7 / imagem: Sindigás

Para o Sindigás, sem a destinação específica, o programa passa a ser de distribuição de renda e não combate à pobreza energética

O Auxílio Gás, que atualmente beneficia 5,6 milhões de famílias no país, deveria ser gasto exclusivamente na compra do gás de cozinha (GLP). A afirmação é de Sergio Bandeira de Mello, presidente do Sindigás (Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Gás Liquefeito de Petróleo), que defende o aperfeiçoamento do programa para combater a chamada pobreza energética.

A cada dois meses, as famílias de baixa renda, cadastradas no CadÚnico, recebem cerca de R$ 102, equivalentes à média nacional do valor do botijão de 13 kg. Segundo Mello, parte dos beneficiários utiliza o dinheiro para outras necessidades. Com isso, muitos acabam preparando os alimentos com lenha.

Segundo a EPE (Empresa de Pesquisa Energética), a lenha representou 25% do consumo de energia nas residências em 2022, mesmo percentual de 2021. Já a utilização do gás de cozinha (GLP) baixou de 25%, em 2021, para 23% em 2022.

O governo federal anunciou recentemente um projeto para ampliar o Auxílio Gás. Segundo a proposta, o número de beneficiários passará de 5,6 milhões para 20,8 milhões de famílias até o fim de 2025.

Além disso, prevê uma nova modalidade no formato da concessão do benefício, com a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) credenciando as revendedoras que desejarem participar voluntariamente do programa.

Na Câmara dos Deputados, uma proposta nesse sentido tem avançado. O projeto de lei define que o auxílio deverá ser usado obrigatoriamente na compra do gás de cozinha sempre que a localidade disponha de revendedor autorizado a comercializar o produto.

“Programas como o Auxílio Gás podem funcionar muito bem, mas precisam ter destinação específica. O desenho de um sistema de cashback seria importante para garantir que os beneficiários somente terão acesso ao recurso se deixarem de usar lenha para comprar o GLP”, afirma Mello.

Veja a seguir os principais trechos da entrevista

R7 — Qual é a avaliação do projeto assinado pelo presidente Lula que amplia acesso ao GLP?

Sergio Bandeira de Mello — Recebemos a notícia com uma surpresa muito positiva, não por sermos fornecedores de GLP, mas porque acreditamos que a focalização e destinação específica são as formas de menor custo fiscal e maior impacto social para expandir a oferta de GLP, em especial para os mais vulneráveis. O setor espera que a medida possa aumentar em 2% o volume total de consumo de gás de cozinha no país

Programas de renúncia fiscal ampla tem um elevado custo e, se aplicados a 100% dos consumidores, podem gerar um impacto muito pequeno aos que mais precisam.

A própria reforma tributária já prevê para o GLP mecanismos de cashback e o programa anunciado vai no mesmo sentido.

R7 — Quais são os gargalos atuais do setor de distribuição de gás de cozinha?

Sergio Bandeira de Mello — Do ponto de vista social, nós temos uma parcela importante da sociedade brasileira que precisa de políticas públicas direcionadas a elas. Existe um histórico muito negativo no Brasil e América Latina, de uma forma geral, que as soluções para o GLP sempre passam por subsídios generalizados. Nós já vivemos aqui desonerações fiscais brutais do GLP, já tivemos subsídios generalizados do GLP, às vezes praticados pelo governo por meio de conta-petróleo, parcela de preço específico que existia. Como também já teve obrigação que a Petrobras bancasse isso.

O custo fiscal de subsídios generalizados é muito alto e o impacto social é muito baixo, porque, no final das contas, quando a Petrobras oficializa o preço generalizado ou o governo desonera impostos, uma parcela da população compra GLP com desconto sem precisar.

Não se resolve com renúncia fiscal generalizada, ou subsídio generalizado, pois tais ações provaram-se insuficientes e de custo fiscal elevado.

R7 — Como solucionar essa questão?

Sergio Bandeira de Mello — Uma das coisas que a gente vem trabalhando bastante, considerada um gargalo importante, é o aprimoramento do Auxílio Gás. A gente acredita que o programa percorreu 80% do caminho em termos de evolução de uma boa proposta de subsídios, muito parecida com programas do Peru, da Colômbia e da Índia. Mas o que a gente vê é a necessidade de ter destinação específica. Ou seja, que efetivamente a família beneficiária tenha acesso ao botijão de gás.

A gente sabe que, quando dá o benefício em renda, a família vai destinar o dinheiro para o que é mais importante para ela naquele momento. É o que está acontecendo o Auxílio Gás. O dinheiro do auxílio é distribuído às famílias que recebem R$ 102 a cada bimestre, e elas estão destinando a outras questões. A gente faz acompanhamento e tem dados que mostram isso. Um dado é a estabilidade de venda do botijão de 13 kg. Depois que entrou o Auxílio Gás, você não teve aumento, mas sim uma queda do consumo. O segundo indicador é que continua com a ampliação do consumo de lenha.

Então, o programa social está 80% bem construído, porque determinou quais famílias atingir, conseguiu alocar no orçamento, que é uma das coisas mais complicadas que existem, mas por fim você não deu destinação específica.

R7 — E como seria a distribuição dos botijões?

Sergio Bandeira de Mello — No Brasil, não há problema de acesso. Aqui a gente já está em 100% dos municípios e 96% dos lares estão equipados para usar GLP. O setor privado já realiza um trabalho de distribuição de excelência, pois leva o GLP a 100% dos municípios brasileiros, entregando 35 milhões de botijões de gás, todos os meses, porta a porta.

Então, na verdade, para nós é muito mais trabalhar numa faixa de família do CadÚnico e equidade energética. A energia já está lá e os equipamentos já estão lá. É só realmente criar essa condição que seja adquirido de um preço mais incentivado para as famílias.

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