Fonte: Sindigás
O Gás para Todos é uma iniciativa louvável que pode sanar as dificuldades de acesso da população vulnerável ao gás de cozinha. Entretanto, há alguns pontos de atenção que precisam ser cuidadosamente observados para que o programa cumpra o seu papel: combater a pobreza energética. Ao longo dos anos, várias alternativas para enfrentar esse problema, tentando reduzir o preço do gás para os mais pobres foram, no entendimento do setor, equivocadas. Refiro-me tanto às baseadas em artificializações de preços, sacrificando os resultados da Petrobras, quanto às norteadas por renúncia de impostos, que até torna o GLP mais competitivo frente a outros energéticos, mas não a ponto de deixar seu preço acessível àqueles de renda insuficiente.
A pandemia intensificou o desafio de se responder a uma demanda das camadas mais pobres da população por acesso ao gás de cozinha. Vários estados elaboraram seus próprios programas até o surgimento do Auxílio Gás. Desde o início, alertamos sobre a importância de atrelar o recebimento dos recursos à destinação específica. Diante de inúmeras necessidades das famílias vulneráveis, a possibilidade de desvio de finalidade do benefício é altíssima.
O sucesso do Bolsa Família, que dá livre arbítrio aos contemplados para utilizar os recursos conforme suas necessidades, nos faz acreditar que essa é a melhor solução para um benefício voltado a mitigar a pobreza energética. Mas não é. Carimbar o dinheiro é fundamental, neste caso, para lograr êxito.
O custo operacional para garantir a destinação específica era visto como um entrave. Como desenhar uma modelagem diferente da operacionalização de maquininhas, que representariam um gasto expressivo? Fizemos uma série de estudos e debates sobre meios eletrônicos e instantâneos vigentes em outros países, que encaminharam bem essa questão, e vimos que há saídas eficazes para esse desafio.
Acreditamos que pagar o benefício via mecanismo de cashback, como está previsto na Reforma Tributária, ou via PIX ou Drex (real digital) são boas opções. Esta última é genial, pois daria rastreabilidade, uma vez que o valor seria transferido para a revenda contra a emissão de documento fiscal, minimizando tremendamente os riscos de fraude e de desvio de finalidade. Esses meios instantâneos de pagamento podem reduzir o custo de 4% a 8% dos vouchers tradicionais ou cartões de crédito e outras modalidades de cartão para algo entre 0,8% e 1,5% do custo de operação. É uma diferença significativa em um programa de política pública social estimado em R$ 13,6 bilhões por ano.
Para as revendas, os meios instantâneos de pagamento colocam o dinheiro no caixa no ato da venda, que é o formato atual de operação desses agentes. Isso é importante porque dispensa a necessidade de capital de giro, o que, inexoravelmente, afetaria o preço ao consumidor final.
Há ainda outros aspectos que merecem ser repensados. O setor de GLP vê com preocupação a criação de um preço-teto para o gás por unidade federativa (UF). Funciona muito melhor um sistema de descontos, mantendo-se os preços livres. Preços que não sejam livres criam problemas econômicos e regulatórios muito graves, como fraude de cobrança adicional acima do preço máximo por UF, bem como a redução do número de revendas que tenham interesse em vender gás nesse modelo de preço controlado.
O sistema de desconto é também importante, em contraposição ao de preço fixo, para que se possa inserir os botijões de menor capacidade, como os de 5, 7, 8, e 10 quilos, intercambiáveis entre si. Em várias regiões do Brasil, eles são comercializados e muitas empresas têm interesse em aumentar a sua oferta. Eles têm espaço em nichos de mercado, permitindo ao consumidor a compra de um botijão menor, com custo mais baixo, e guardar o crédito, caso o cashback exceda o valor da embalagem adquirida, para uma compra futura de um botijão de 13kg. Assim, o beneficiário ganha flexibilidade de escolha, a partir da infraestrutura de vasilhame existente.
Por fim, temos a convicção que muitas das condições de sucesso do programa já estão equacionadas em nosso país. Números da última PNAD (IBGE) mostram que 91% dos lares brasileiros declaram usar GLP; 96% afirmam estar equipados para usar GLP. É um ótimo cenário. Não temos o desafio da Índia, por exemplo, em que ainda era preciso equipar as cozinhas com fogões. Aqui, fogão e botijão estão nas casas, basta prover acesso financeiro para a compra do gás e erradicar o consumo de lenha para cocção que tantos malefícios traz diretamente a uma parcela significativa da população mais pobre e, por extensão, a toda a sociedade.
Sergio Bandeira de Mello
Presidente do Sindigás