Fonte: Sindigás / Imagem: Edição Sindigás
O mercado brasileiro de GLP é um exemplo internacional e sua regulação econômica é uma referência para diversos países. Alguns desejam alcançar os patamares atuais do mercado nacional, enquanto outros se aproximam dos padrões brasileiros de excelência de serviço e garantia de abastecimento ao copiar o modelo.
A verdade é que o mercado brasileiro apresenta uma enorme complexidade. Mesmo com toda a logística desafiadora que garante a presença do GLP em milhares de municípios, entregando porta a porta 33 milhões de botijões de 13kg mensalmente, o setor segue livre de problemas de adulteração, oferecendo um produto sem vícios de qualidade, quantidade ou integridade.
Na equação do setor, devemos sempre levar em conta a questão da embalagem recircularizável. Essa característica traz vantagens incríveis, e em contrapartida exige muito controle e responsabilidade. O sistema de recircularização reduz custos operacionais, garante agilidade e permite que, a cada compra de gás, o consumidor receba uma embalagem em perfeito estado de conservação e tenha direito à assistência técnica, reposição e um responsável facilmente identificável, mesmo em caso de eventual incidente com chama.
Não é fácil oferecer o nível de serviço e garantia que se observa no Brasil, fruto do resultado de muita experiência e de um modelo econômico que reduz os custos de fiscalização do Estado.
Existem países que optam por modelos com recipientes sem marca, permitindo que qualquer envasadora encha e comercialize o vasilhame. Entretanto, quando esse sistema é aplicado a embalagens recircularizáveis, o resultado é um desastre anunciado. Observamos a “tragédia dos comuns” no parque de cilindros: sem um responsável claro ou com mecanismos que aumentam os custos de fiscalização, parte do mercado caminha para a informalidade e descontrole. O Estado fica parado, perplexo, de mãos atadas, vendo proliferar oportunistas que, sem investir em novos botijões, participam do mercado desordenadamente. Eles não oferecem menores custos, apenas se apropriam da margem comercial e reduzem os níveis de serviço. O parque de cilindros tende à decadência, pois os investimentos em manutenção, requalificação e reposição diminuem, expondo todos ao risco de embalagens contendo produto inflamável.
Outras vezes, modelos pouco eficazes, como o enchimento fracionado e remoto de embalagens, são apresentados como solução competitiva. Enchimento fracionado corresponde a encher o botijão com apenas uma fração do volume, enquanto o remoto é aquele executado fora das bases de distribuição. No entanto, sabemos que esse tipo de serviço só se adequa a alguns tipos específicos de cilindros, dotados de válvulas especiais, que não podem fazer parte de um sistema de recircularização, exigindo que o consumidor vá a um local de envase, leve o cilindro, aguarde o enchimento e regresse a sua casa. Imaginar que um processo artesanal como esse possa ser uma solução competitiva só faz sentido sem uma avaliação econômica. Existem mercados assim? Sim. O mercado norte-americano não tem enchimento fracionado de botijões, mas possui enchimento remoto. Esse modelo existe com cilindros dotados de válvula de sobreenchimento e só podem ser usados FORA DOS LARES. Há expressa proibição de uso INDOOR, como em cozinhas de apartamentos ou casas, devido à fragilidade do sistema. Trazer essa prática para um país onde 91% dos lares utilizam o GLP como principal energia para cocção parece pouco razoável.
É importante notar que mercados como o norte-americano não são comparáveis ao nosso. Nos EUA, apenas 3% a 4% das vendas de GLP são feitas em embalagens transportáveis, enquanto no Brasil esse número se aproxima de 80%, considerando as embalagens de 5kg a 45kg.
Qualquer cálculo que se faça aponta que o custo logístico será maior para o consumidor, que o custo de enchimento dos pequenos cilindros será ampliado e que o preço final do produto será elevado. Isso não cria bem-estar social, não reduz preços e tampouco aumenta a competitividade. O que se observa em mercados comparáveis ao brasileiro é que esse modelo surge como nicho e, devido à incapacidade financeira do Estado de arcar com os altos custos de fiscalização, logo vemos cilindros de todas as espécies sendo envasados em locais inapropriados, sem válvulas de segurança, gerando um sistema confuso que mistura embalagens recircularizáveis com não recircularizáveis.
Tendo em vista todas essas situações, a regulação econômica deve garantir os níveis atuais de segurança e evitar a desorganização total do setor. Para isso, deve ser estabelecido um “sarrafo alto” para o ingresso de novos agentes. Isso não significa impedir a entrada de novos concorrentes, mas deixar claro que é necessário qualificar-se, investir e comprometer-se com as garantias e responsabilidades que o comércio de GLP exige. Não há barreira de entrada ilegal, mas sim uma questão estrutural relacionada a qualificação, capaz de gerar bem-estar social, garantindo a segurança do consumidor e a integridade do mercado, e não um mecanismo de proteção aos competidores existentes. Apenas como referência, em 2024, somente no parque de recipientes de 13kg de GLP, as empresas distribuidoras investiram mais de R$ 1 Bilhão na manutenção e compra de novos botijões. Como ficariam esses investimentos no caso de uma desarticulação?
Ainda há de se notar que no mercado de combustíveis, um crescente interesse do crime organizado. Esse setor, por sua dimensão e pelo alto volume de impostos envolvidos, se tornou um alvo atrativo para fraudes e contrabando. Segundo um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o crime organizado no Brasil já lucra mais com a venda ilegal e o contrabando de combustíveis e bebidas do que com o tráfico de cocaína. O levantamento aponta que os grupos criminosos acumularam R$ 146 bilhões anuais a partir de 2022 com atividades ilícitas envolvendo combustíveis, bebidas, cigarros e ouro, enquanto a receita com drogas foi de apenas R$ 15 bilhões.
Especificamente no setor de combustíveis, a receita dos criminosos alcançou R$ 61,5 bilhões anuais, o que representa 41,8% do montante acumulado pelas facções. São comercializados ilegalmente 13 bilhões de litros de combustíveis por ano, com perdas fiscais estimadas em R$ 23 bilhões. Esse cenário evidencia a necessidade de medidas urgentes para proteger o mercado legal e evitar que problemas semelhantes ocorram no setor de GLP.
Se a regulação econômica não estabelecer mecanismos robustos para evitar a entrada de agentes oportunistas, o setor de GLP poderá sofrer impactos semelhantes aos do mercado de combustíveis. A regulação deve ser um instrumento de proteção ao consumidor e de preservação da estrutura que faz do mercado brasileiro de GLP um modelo de referência internacional.
Sergio Bandeira de Mello
Presidente do Sindigás