Cristiane Caravana, Advogada do Sindigás
Não é de hoje que o Brasil enfrenta crises morais, econômicas e políticas. O cenário atual, talvez, se demonstre mais crítico pela grande fragilidade econômica, descrédito político e tantas outras instabilidades que ficam latentes a cada dia. Apesar das incertezas e adversidades, são nesses momentos que surgem as grandes oportunidades de aprimoramento.
No setor de Petróleo, Gás e Biocombustíveis, a necessidade de revisão da Lei 9.847/1999, a Lei de Penalidades, é um bom exemplo. Extensamente criticada por sua rigidez, a citada lei dispõe sobre a fiscalização das atividades relativas ao abastecimento nacional de combustíveis, de que trata a Lei do Petróleo,[1] estabelecendo sanções administrativas e dando outras providências.
Como a lei foi promulgada em contexto muito diferente do atual, a ausência do debate só piora a situação hoje vivenciada pelos agentes econômicos a ela submetidos, pois as medidas e penalidades cada vez mais inviabilizam as atividades. As determinações legais são extremamente desproporcionais e não consideram a real capacidade econômica dos agentes.
A necessidade de regulação das atividades de distribuição e revenda de GLP é notória. O produto está presente na maioria das residências do país e, como todo combustível, é um produto inflamável, portanto deve ser submetido a várias regras de uso, segurança e armazenamento, necessárias para o bom funcionamento do mercado e como proteção ao principal elo da cadeia: o consumidor. Contudo, atribuir aos revendedores e distribuidores de GLP as mesmas condições do setor de líquidos, por exemplo, é totalmente descabido, devendo ser esse aspecto mais bem avaliado.
Diretamente relacionada à questão, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustível (ANP) enfrenta diariamente um enorme desafio, pois sua ingerência não pode ser tamanha que inviabilize atividades econômicas, tendo que cumprir com sua atribuição legal aplicando a rigorosa Lei de Penalidades, de maneira que se garanta o bom funcionamento do mercado e do abastecimento nacional.
No caso do setor de GLP, a dissonância e desproporcionalidade entre os valores das infrações e a capacidade econômica das empresas dificulta o bom funcionamento do mercado. O exemplo das revendas de GLP acaba sendo o mais relevante exemplo, em que as multas chegam a variar de R$ 5 mil a R$ 2 milhões, a depender da gravidade do ato. Outro ponto trata do desatendimento das normas de segurança, com valores que partem de R$ 20 mil, podendo alcançar R$ 1 milhão.
Em relação às revendas de GLP, os altos valores das infrações acabam por inviabilizar as suas atividades, pois na maioria dos casos são pequenos comerciantes que não têm como arcar com multas pesadas.
Outra questão que atinge todos os agentes econômicos são as hipóteses de reincidência de determinadas infrações, resultando na revogação da autorização.[2] Nesse caso específico, a ANP, como garantidora do abastecimento nacional,[3] deve ter extrema atenção com a análise do caso concreto para aplicação da revogação, evitando custos econômicos, sociais e, inclusive, políticos.
A ANP, apesar de vinculada às severas delimitações impostas pela Lei de Penalidades, vem adotando medidas para tentar flexibilizá-las. Um bom exemplo foi a Resolução ANP 688 de 2017, que revogou a Resolução ANP 32 de 2012, aprimorando os casos em que os agentes econômicos poderão adotar medidas reparadoras (MRC).
Também no ano de 2017, a ANP realizou a Audiência Pública nº 23/2016, tratando da discussão da proposta de minuta de resolução que trata da imposição de penalidades administrativas relacionadas às atividades de downstream e midstream. Apesar de não ter tido avanço na citada consulta, a proposta de revisão, assim como a publicação da Resolução 688/2017 pela ANP, abrem oportunidades para avanço de temas estagnados e perdidos no tempo que travam as atividades dos agentes regulados.
Evidente que as consultas e audiências públicas são sempre muito bem-vindas, trazendo maior transparência aos agentes regulados e à sociedade. Todas as propostas de aprimoramento propiciam melhor execução prática das penalidades, observadas as peculiaridades dos agentes.
Contudo, o avanço em curso não pode parar, sendo de suma importância que sejam realizadas novas discussões sobre os mais diversos temas, buscando não só adequação da Lei de Penalidades, mas aprimoramento contínuo da regulamentação da agência, com envolvimento do Ministério de Minas e Energia e da Casa Civil, ao novo cenário do setor de Petróleo, Gás e Biocombustíveis.
Cristiane Caravana
Advogada do Sindigás
[1] Lei 9.478, de 6 de agosto de 1997
[2] Lei nº 9.847/99, art. 10, III.
[3] Lei nº 9.478/97, art. 8º, p. único.